Para o médico Gilberto Ururahy, especializado em Medicina Preventiva, a saúde é o combustível da vida e deve ser tratada por cada um como seu melhor ativo. Para isso, nada melhor do que um estilo de vida saudável com uma alimentação balanceada, a prática de exercícios e um sono reparador.
“O mundo devagarzinho vai voltando a sua normalidade. As sequelas deixadas pela pandemia foram graves. Foi um grande momento para a humanidade refletir e o que se viu no campo da saúde no que tange aos nossos executivos?”
A pergunta é feita por Gilberto Ururahy, médico há mais de 40 anos, especializado em Medicina Preventiva. Para obter as respostas, a clínica que dirige, a Med-Rio Check-up, fez um estudo com 10 mil executivos examinados entre março de 2020 e fevereiro de 2022. O resultado é preocupante: os níveis de estresse elevados chegaram a 78%.
E não é só. No mesmo período, o “uso excessivo de bebidas alcoólicas” passou de 25% para 39%; o de insônia de 18% para 35%; a hipertensão arterial de 18% para 24%; a depressão de 7% para 12%; o diabetes de 6% para 11%; e a obesidade de 12% para 20%.
“Observamos uma mudança enorme no comportamento da população ao longo da pandemia. Dois anos de isolamento, enclausurados, as nossas casas foram transformadas em filiais de empresas e escolas. Todos convivendo com um estresse elevadíssimo, olhando ali a televisão que mostrava estatísticas assustadoras, reportando a morte ao vivo. Muitos isolados de suas famílias, os idosos solitários, as crianças sofrendo o distanciamento dos colegas, das escolas, enfim, diria que foi um sofrimento democrático. Atingiu a todas as faixas da população, etárias e sociais”, comenta o presidente do Conselho de Medicina e de Saúde da Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Em 1997, escreveu seu primeiro livro “Como se tornar um bom estresseado”. Vinte e cinco anos depois, a pandemia acabou submetendo a população mundial a um estresse enorme, do dia para noite, de maneira profunda e duradoura.
Fisiologicamente falando, o estresse é a necessidade do ser humano em se adaptar às mudanças. Ao se deparar com elas, o corpo reage para lutar ou fugir da agressão. Nesta reação se produz dois hormônios. O primeiro é a adrenalina que mexe com todo o sistema cardiovascular provocando taquicardia, hipertensão, palidez, aneurisma. O outro hormônio é o cortisol que atinge muito a imunidade, aumentando a fragilidade do corpo. Ele gera uma resistência à ação da insulina. O indivíduo passa a se alimentar mais para ter mais açúcar na circulação e daí em diante ganhar peso. Pode se contrair diabetes tipo 2 com todas as suas consequências.
De acordo com o médico, “o mundo vem em uma constante evolução. Sempre existiu executivo. Sempre existiu crise. Sempre existiu doença. Sempre existiu estresse. Por que o estresse hoje está extremamente agredindo a saúde das pessoas? Pela dificuldade das pessoas em se adaptar. Como as mudanças estão sendo muito rápidas e profundas, o indivíduo tem de se adaptar a tudo isso e rapidamente. Imagina a quantidade de adrenalina e cortisol que circulam no sangue de todas as pessoas que estão envolvidas em seus afazeres no cotidiano?
Um estudo feito pela doutora em psicologia Betânia Tanure de Barros, da BTA Associados, especialista em cultura organizacional, com mil executivos em posições de comando apontou que 88% nunca passaram por uma crise tão forte na vida como a atual. Mais da metade deles (58%) têm muito medo de morrer. Já 42% decidiram se separar do cônjuge ou estão pensando seriamente no assunto.
“O impacto do estresse que estamos vivendo é gigantesco, atua de forma individual nas pessoas, uns convivem melhor, outros têm mais dificuldades. Para uns provoca sintomas de doenças, para outros pode ser motivo de alegria e motivação”, relata o responsável pelos comitês de saúde das Câmaras de Comércio França-Brasil e Americana “O estresse tem um leque muito grande. Temos de entender a pessoa como um indivíduo que está diante de uma agressão chamada estresse e como ela se comporta.”
Empresas – As empresas começam a perceber a importância de apoiar emocionalmente seus líderes e colaboradores da mesma forma que dão suporte para a criação de um ambiente laboral ao adotar o sistema de home office ou híbrido. Que o formato híbrido veio para ficar, ninguém tem dúvida. Segundo o Índice de Confiança Robert Half, 48% das companhias pretendem investir neste formato em 2022, enquanto 38% vão voltar de forma integral e apenas 3% vão manter o home office. A principal dificuldade apontada entre os colaboradores é a de manter equilíbrio entre vida profissional e pessoal conservando a sua saúde física e mental.
Na opinião do especialista, “as empresas, pouco a pouco, começam a observar que manter o indivíduo em sua casa é transformá-lo em um doente futuro, sem parâmetros, sem amigos, sem história. O indivíduo diante de uma máquina que tem uma inteligência artificial apoiando, é um indivíduo que não tem aquela garra no seu dia a dia. O computador não chora, não brinca, não fica triste e não motiva. O homem é corpo, alma, físico e emoção.”
Uma pesquisa de uma empresa suíça de recursos humanos que reuniu 15 mil pessoas em diversos países, afirma que 38% dos entrevistados relataram ter sofrido da Síndrome de Burnout ao longo de 2021. Dentre eles, 32% também disseram ter uma piora “significativa” da saúde mental trabalhando de casa, tendo problemas como estresse, insônia, alteração do hábito alimentar, ansiedade, entre outros quadros.
“Por isso, o cuidado é eterno. O que faz uma empresa crescer e sobreviver é seu potencial humano. Este capital humano deve ser e cada vez mais será valorizado. O papel do RH na empresa hoje é o de Grande Mestre. Diante desta crise toda, o RH foi a área mais exigida em uma companhia. É um maestro da empresa. Ele tem de ter ferramentas para reter talentos, para embutir na cultura da empresa que um indivíduo sem saúde não vai a lugar nenhum. A saúde é o combustível da vida”, afirma o autor dos livros “O cérebro emocional”.
Mulheres – A Med-Rio trabalha junto aos departamentos de recursos humanos com um check-up completo com uma abordagem tanto física como emocional, orientando as ações que deveriam se empreender no sentido de melhorar a saúde do grupo examinado.
Um dos pontos que chamou a atenção foi a evolução, neste caso negativo, dos índices de doenças nas mulheres. Segundo as avaliações da Med-Rio Check-up, em 1990, a cada nove infartos, um era em mulher. Hoje, para cada três infartos, um é em pacientes do gênero feminino. E detalhe: em mulheres cada vez mais jovens.
“A mulher ainda não tinha papel preponderante no mercado de trabalho 32 anos atrás. Foi no mesmo período que surgiu a internet, as redes sociais. O que se notou foi a mulher ingressando no mercado de trabalho lentamente, assumindo papéis dos homens, matando um leão por dia para sobreviver. Muitas passaram a liderar suas casas. Muitas querendo fazer seus cursos universitários e se igualar em capacitação com o meio masculino. Foi um boom. Uma explosão. Aquela flor que se abre subitamente”, comenta.
Entre as consequências de tal acúmulo de atividades estão os altos níveis de estresse que impactam no estilo de vida. Segundo um estudo publicado no The Journal of Brain & Behavior, elas são duas vezes mais propensas a sofrerem de estresse crônico que os homens.
Levantamento da Universidade de Harvard revelou que 80% de todas as consultas médicas de mulheres no mundo têm relação direta com o estresse vivenciado no cotidiano.
“Hoje, 35% das mulheres brasileiras comandam seus lares. Em cima dessa crise toda, a mulher cuida de seus filhos, do lar, do seu trabalho, estudo e ainda tem de se manter em forma. A mulher, no que tange às emoções, são campeãs. Porque as mulheres estão crescendo tanto e se diferenciando? Porque a mulher foca, primeiro, no que é importante e lida com as emoções muito melhor que os homens. A emoção é combustível da vida da mulher”, explica o escritor do livro “Emoções e saúde”. “Ela é mais disciplinada porque ainda recai a ela o papel do cuidado. A mulher enfrenta de forma mais determinada porque ela tem uma abrangência no seu dia a dia extremamente grande. Então ela é pontual, precisa e sempre usando das emoções.
Novo livro – O dr. Ururahy acaba de lançar “Saúde é Prevenção”, um guia para as pessoas buscarem um estilo de vida saudável de modo a otimizarem o bem-estar e se resguardarem, sobretudo, das doenças crônicas, a nova pandemia que estamos vivenciando.
O livro traz informações detalhadas sobre diversas áreas da prevenção de doenças, tabelas com valores nutricionais e, até mesmo, sugestões de cardápio para uma dieta balanceada, sempre baseadas nas mais recentes pesquisas da área médica.
“O que matou na pandemia foram as comorbidades, as doenças crônicas. Como evitá-las? Estilo de vida saudável. Alimentar-se bem. Ter uma atividade física regular. Ter sono reparador e de qualidade. Você começa a ver um movimento muito grande neste sentido. As pessoas estão atentas para a sua saúde, em busca de um estilo de vida equilibrado e saudável. A prevenção é igual à longevidade com autonomia”, explica o médico. “Usamos como exemplo a pandemia. O que ela faz com a saúde física e mental das pessoas? O estilo de vida saudável é fundamental para uma boa saúde mental. Tem um capítulo no livro intitulado: Prozac ou Adidas? A atividade física regular gera tanta endorfina que o resultado no paciente será mais rápido.”
Foi cientificamente comprovado que a prática regular de exercícios físicos melhora o humor, reduzindo os sintomas de depressão e ansiedade. Isso acontece porque o exercício físico aumenta os níveis de endorfina, que é o hormônio da felicidade produzido pelo cérebro, e promovem a felicidade e a euforia.
Para o diretor, o maior problema é a dificuldade de mudar hábitos. “Desde cedo a gente cria hábitos e 80% das pessoas têm dificuldade em mudá-los depois. Mas não tem jeito. Ou se muda o estilo de vida ou a vida diz: se não mudar é hospital. Escolha! No ciclo da vida, nascemos naturalmente de forma saudável e se ao longo da vida cuidarmos bem da nossa saúde até a última etapa do ciclo da vida que é a morte, ocorrerá com menos sofrimento. A busca pelo estilo de vida tem de ser um compromisso de todos. A saúde é patrimônio individual.”
Gostou deste artigo? Saiba mais sobre saúde mental e prevenção, no episódio 59 do podcast “Somos Newa”: Uma sociedade adoecida com consequência do estresse excessivo
GILBERTO URURAHY
Diretor Médico da Med-Rio Check-up, é especializado em medicina preventiva e formou-se pela UFRJ em 1979. Também é Presidente do Conselho de Medicina e de Saúde da Associação Comercial do Rio de Janeiro e responsável pelos comitês de saúde das Câmaras de Comércio França-Brasil e Americana (Amcham). Em 2017, foi contemplado a medalha francesa da Ordem Nacional do Mérito e da Academia de Medicina da França.