07 verdades sobre o trabalho remoto

Rafael Torales, um dos fundadores da Officeless, com vasto conhecimento em liderar equipes à distância, mostra as diferenças entre home office e trabalho remoto e os desafios para os líderes e colaboradores em mudar a chavinha para esta modalidade que coloca as pessoas em primeiro lugar.

“É muito fácil ter uma percepção sobre o trabalho remoto de uma forma extremamente equivocada.” A frase de Rafael Torales resume bem as confusões que ainda existem sobre as diferenças, necessidades e resultados quando uma empresa assume de vez a mentalidade do trabalho remoto e o home-office. “O trabalho remoto é muito diferente do que a gente viveu durante a pandemia”, ratifica.

E experiência não falta. De forma visionária, ele e Renato Carvalho perceberam, em 2008, que o trabalho remoto seria uma tendência, reunindo os melhores profissionais de diversas partes do mundo por meio da tecnologia em uma mesma companhia. Eles próprios passaram por esta experiência morando em vários países e prestando serviço para uma empresa norte-americana. Na volta para o Brasil, se juntaram a Flavio Ludgero e fundaram a Startaê, um estúdio de design para empresas de tecnologia com uma equipe espalhada em diversos locais. Investiram fortemente na cultura interna para que os colaboradores tivessem flexibilidade e se sentissem pertencentes à empresa, mesmo de longe.

Todo este conhecimento acabou gerando um novo negócio para o trio. Hoje, eles comandam o Officeless, a maior comunidade de líderes remotos do Brasil, que incentiva e ensina líderes a trabalharem remotamente com suas equipes. Seus treinamentos já impactaram organizações dos mais diferentes setores e tamanhos como Catho, Movile, Gympass, Loft, Aerolito, Banco do Brasil, Vale, Tribunal de Contas da União – TCU, Supremo Tribunal Federal – STF, entre outras.

Elencamos aqui sete aprendizados de reflexões e práticas que Rafael tem feito ao longo da sua carreira profissional.

Trabalho remoto e home office não são sinônimos

Sempre houve uma certa briga sobre a diferença entre o trabalho remoto e o home office. Muitas vezes, se utiliza os dois como sinônimos. Nós, na Officeless, acreditamos que isto acaba limitando muito todas as possibilidades que o trabalho remoto pode nos trazer sem essa obrigação de trabalhar em casa.

Se falarmos apenas em home office, muitas vezes, se cria um grande bloqueio para, por exemplo, um colaborador falar para sua liderança que este modelo não funciona para ele. Alguns donos das empresas também têm algumas crenças em relação ao home office no que tange à produtividade, ao controle e à performance.

O trabalho remoto traz uma visão mais ampla. Ele dá a liberdade das pessoas escolherem trabalhar de onde se sentem mais felizes e produtivas, em casa, no escritório, em um coworking, na livraria, em um quarto do Airbnb. Além de render melhor, traz à tona um profundo autoconhecimento. De entender onde se sente melhor para trabalhar e quantas horas vai dedicar ao trabalho, respeitando o relógio biológico de cada um, sua rotina, hábitos, necessidades familiares. Durante a pandemia esse grande leque de possibilidades foi cortado pois a única possibilidade era trabalhar de casa o dia inteiro.

Não é necessário estar on-line 24/7

Uma reclamação comum tem a ver com essa questão de as pessoas serem ativadas o tempo todo. De sentirem que não conseguem se desconectar. A dificuldade entre equilibrar vida pessoal e vida profissional. Às vezes, você está tranquilo com a sua família, chega uma mensagem às 22h da noite que coloca você em um estado de ansiedade, começa a gerar reflexão e talvez você não tenha mais uma boa noite de sono, porque estará pensando em algo que vai acontecer ou fazer no dia seguinte.

Sobre a discussão das mensagens chegando em diferentes horários, é importante a gente olhar por outros ângulos. Uma delas é que durante a pandemia, todo mundo foi trabalhar à distância sem estar 100% preparado. Várias das organizações tiveram soluções intuitivas como o uso do WhatsApp que antes era uma coisa mais pessoal. Esta ferramenta não possibilita uma comunicação assíncrona, pois vários tópicos são discutidos ao longo do dia e encontrar a informação correta pode virar um caos, gerando ansiedade e impactando diretamente na saúde mental das pessoas.

É fundamental escolher a ferramenta ideal

Recomendamos sempre que a empresa adote uma ferramenta exclusiva para o trabalho, com um ambiente virtual estruturado. No físico, pedimos ajuda de uma arquiteta para pensar qual a melhor disposição do espaço, como as pessoas vão circular por aí, lugares para descanso e refeições. Na nuvem é a mesma coisa. A escolha da ferramenta influencia no tipo de cultura que você vai criar também dentro da sua equipe. Se é uma cultura de imediatismo onde as pessoas não podem responder no seu tempo, uma cultura onde tudo passa na frente ou uma cultura que respeita o tempo delas.

Se pensarmos no futuro do trabalho, é interessante ver o grande desafio das organizações para trabalhar com as pessoas a distância de uma forma profissional, legal, organizada. Nesta evolução, a comunicação vai ficando cada vez mais assíncrona, pois cada um vai estabelecer sua rotina de trabalho com horários diferentes levando em conta, inclusive, a globalização. Se alguém do seu time mora em outro fuso horário, por exemplo, não vai atender uma demanda na mesma hora, pois pode estar dormindo por lá. Uma boa comparação é com e-mail. Quando você usa o correio eletrônico, sabe que a resposta não será instantânea. No lugar de repensar muito dos nossos comportamentos no trabalho, estamos querendo replicar práticas existentes.

Liderança e colaboradores devem estar sintonizados

Percebemos pela nossa página no Instagram, as angústias e anseios dos colaboradores frente a decisões de suas lideranças. Por isso, é importante preparar essas lideranças para lidar com esta realidade, não apenas a culpando. Há diversas habilidades essenciais que um líder, que vai trabalhar à distância com as pessoas, precisa ter. Principalmente, trazendo o lado humano, criando várias ações, rituais dentro da equipe para ter este engajamento e uma conexão maior entre eles. Por isso, a liderança deve estar confortável nesse papel. Se começarmos com a equipe, haverá ainda mais cobrança, trazendo uma pressão ainda maior para quem está no comando. Nosso objetivo é unir estas duas pontas.

O trabalho remoto deixa de lado tudo o que o colaborador não gosta de fazer no seu dia-a-dia e apenas foca no trabalho a ser feito. A flexibilidade permite evitar o trânsito e tempo que se perde nos deslocamentos, viver em locais mais tranquilos e até mais baratos, viajar com mais frequência.

O trabalho remoto é visto de forma diferente entre as gerações

Com as novas gerações que nasceram conectadas, é cada vez mais difícil manter a argumentação de que precisam trabalhar dentro de um escritório de 8h às 18h. Elas
aprenderam no on-line a desenvolver uma série de habilidades. Vimos prodígios criando programas à distância e muito jovens. Como você vai chegar para ele e dizer: Ok, você criou tudo isso mas agora tem de bater cartão? Isso vai levantando barreiras, principalmente para atrair profissionais mais qualificados. Antes da pandemia, se encontrava várias respostas e argumentações de como o trabalho remoto não funcionava. Depois de dois anos desta experiência, a visão mudou. Mesmo sem a intencionalidade, percebeu-se que a produtividade aumentou, a empresa não parou, os resultados continuaram acontecendo. A geração mais velha, por sua vez, vinha de uma situação de acomodação, de sempre ter trabalhado assim, abrindo mão de vários sonhos pessoais esperando uma oportunidade, e no fim perceberam que dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

O ambiente híbrido tem mais desafios e pode criar desigualdades

Houve empresas que não pensaram a longo prazo e foram dando “jeitinhos” esperando a pandemia passar e quando não passou, começou a ficar tarde – não fizemos até agora porque vamos entrar nessa com a volta do trabalho? Agora temos esta mescla de times presenciais e virtuais.
O trabalho híbrido exige um desafio ainda maior se a empresa não tiver uma cultura on-line. Pois, primeiro, temos de pensar em quem não está no escritório, como integrá-lo realmente nas atividades dos que estão trabalhando presencialmente.É muito mais fácil criar desigualdades no ambiente híbrido, principalmente, de pertencimento, de promoções, de interação. O olhar deve ser: se uma pessoa na nossa equipe está remota, todo mundo está também. Esta é a mentalidade. As empresas que entenderam isso, usaram este dois anos para preparar este ambiente virtual e fizeram esta transição pensando ao longo prazo, podem assumir melhor agora esta modalidade.

O objetivo do trabalho remoto é o people first

Adotar uma cultura remota não é parte só do RH. É uma mentalidade que tem de permear todos. Remoto não é o local onde as pessoas estão, mas a forma de pensar e de agir daquela equipe. O remote first é direcionar todas as nossas estruturas, comportamentos, comunicação, gestão, pensando na experiência de quem está distribuído. Se priorizarmos quem está voltando presencialmente, optamos pelo office first em detrimento dos que estão fora. Agora se a empresa está realmente buscando formas de integrar todos, o caminho é o people first pensando e proporcionando condições para que cada um possa trabalhar como e quando quiser. A organização tem diversos objetivos e metas que precisam ser alcançadas, mas não vai atingir este objetivo se não for junto com as pessoas, olhando também para o lado delas. Por mais que pareça conflitivo, o trabalho remoto traz uma abordagem super-humana se for feito de forma correta e intencional.

Ouça o episódio 43 do podcast Somos Newa que aborda o tema: “Trabalho remoto não é home office e o que isso tem a ver com saúde mental?”

Rafael Torales

É um dos fundadores do Officeless, a maior comunidade de líderes remotos do Brasil. Sua experiência com o trabalho remoto começou em 2008 quando trabalhou à distância como designer para agências digitais do Brasil, Austrália, Estados Unidos e Croácia. Após descobrir como trabalhar remotamente de forma profissional com empresas de qualquer lugar do mundo, fundou o Startaê, um estúdio de Design & Tecnologia que conecta profissionais brasileiros à projetos de inovação do Vale do Silício. Em 2017, passou a ajudar outros líderes a trabalharem remotamente com suas equipes através do Officeless. Seus treinamentos já impactaram organizações dos mais diferentes setores e tamanhos como a Catho, Movile, Gympass, Loft, Aerolito, Banco do Brasil, Vale, Tribunal de Contas da União – TCU, Supremo Tribunal Federal – STF, entre outras.