Uma empresa não pode ser uma maquininha de burnout

O CEO e fundador do Grupo Gaia, João Paulo Pacifico, tem desbravado o mercado financeiro exercitando valores como a gratidão e a gentileza. Acredita que vivemos uma pandemia de líderes tóxicos e, para sair desta situação, devemos olhar para a saúde mental dos colaboradores e criar um ambiente feliz de trabalho.

Seja grato, sorria, celebre, pratique gentileza. Essas atitudes não costumam combinar com o mercado financeiro. É um setor considerado o mais solitário, materialista, egoísta e narcisista que existe. E tem uma razão disso: o dinheiro dita as regras. Movimentando mais de vinte bilhões de reais em operações em 13 anos, o Grupo Gaia, a primeira empresa B no Brasil, está aí para mostrar que é possível ter uma cultura baseada em valores positivos.

Seu CEO e fundador, João Paulo Pacifico, tem implantado e divulgado as práticas para mostrar que é possível ter uma companhia lucrativa, saudável e feliz.

Passo 1: Saúde Mental

O primeiro passo é a preocupação genuína com a saúde mental das pessoas e os brasileiros realmente estão muito preocupados com este tema. A pesquisa World Mental Health Day 2021, realizada pelo Instituto Ipsos, com entrevistados de 30 países, apontou que, no Brasil, 75% da população afirma pensar com frequência em seu próprio bem-estar mental. Oito em cada 10 brasileiros acreditam que a saúde mental é tão importante quanto a saúde física.

“Como podemos aceitar que a saúde mental das pessoas esteja decaindo nos últimos anos, se a medicina está evoluindo? O que está acontecendo? Temos mais informação, mais acesso a cuidado e mesmo assim as pessoas estão mais doentes. Não faz sentido ter uma empresa que é uma maquininha de burnout, mesmo sendo lucrativa”, questiona o Top Voices do LinkedIn Brasil.

Passo 2: Valores

O segundo passo é fomentar um ambiente leve onde as pessoas possam florescer, por isso, os valores e a cultura da empresa são tão importantes. Na Gaia, pessoas e cargos são direcionados para reforçar seus dez valores. Por exemplo, o RH lá se chama VIP – Valores Integrando Pessoas. O princípio subverte um pouco um lugar comum: o de que as pessoas são mais importantes que os valores. Na verdade, as pessoas passam e os valores ficam. Mas com um adendo: quem os vive são as pessoas.

“Os valores possibilitam um ambiente mais propício para que as pessoas sejam elas mesmas e que tenhamos um espírito muito mais colaborativo. Somos contra a competição interna. Entendemos que mesmo uma pessoa com uma vida feliz, tem sentimentos desagradáveis que precisamos acolher. “Se as pessoas não têm ansiedade, medo, raiva, ódio ou estão mortas ou são psicopatas. Estar triste faz parte de ser humano”, diz o executivo, formado em engenharia que começou sua carreira no mercado financeiro e reforçou este lado mais humano com a certificação do Happiness Studies Academy, onde fez o curso online de 26 semanas ministrado pelo Professor e doutor Tal Ben-Shahar.

Passo 3: Propósito

O último é uma reflexão sobre o porquê do trabalho. O ativista ressalta que no atual funcionamento do capitalismo, o sistema deixou de ser um meio para fazer boas coisas e o lucro passou a ser o objetivo único das empresas. “Mas chama a atenção para um detalhe muito importante: “É produção x lucro e o resto é meio… Nesse meio, tem seres humanos que, às vezes, são moídos para chegar lá.” Acabam com a sua saúde mental. Aí voltamos lá para o início criando um círculo vicioso, em vez de virtuoso. Por isso, a necessidade urgente desta avaliação e de encontrar o propósito como seres produtivos e ativos.

Ambiente saudável

Pacífico acaba de lançar o livro “Líder é quem influencia outras pessoas. Que tal transformar os ambientes em que você atua?”, onde ensina, entre outras ferramentas, o “Diagrama de Gaia” que permite ter um panorama geral sobre a equipe. A partir deste diagnóstico, conciliar boa performance e fazer bem para o mundo.

De forma simples, existe o eixo x, na horizontal, onde estão as pessoas tóxicas, danosas para as outras ao seu redor e o ambiente. Do outro lado, há as pessoas com comportamento humano, aquelas que são agradáveis, fazem o bem e acolhem.

Vale ressaltar que a pessoa má não nasceu assim. Mas que aprendeu vendo que é assim que funciona. Fazendo um paralelo é como quando se entra na faculdade, passa pelo trote, acha horrível e no ano seguinte participa como veterano. Da mesma forma, um funcionário sentiu uma carga fortíssima de um chefe nada preparado para aquilo e quando vira chefe, repete aquele comportamento.

No eixo vertical, o y, embaixo estão as pessoas mercenárias, que são aquelas que trabalham simplesmente pelo dinheiro. Acima tem as pessoas ativistas que querem fazer algo com propósito. O dinheiro é apenas uma das variáveis da equação.

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Assim se formam 4 quadrantes. O maior deles é de pessoas tóxicas e mercenárias.
O outro é mercenários e humanos que até são “legais” com as outras pessoas, mas só querem ganhar dinheiro.
O terceiro é formado de pessoas tóxicas com propósito: são insuportáveis, mas como acham que estão fazendo o bem, podem matar os outros.
O quadrante ideal é o de pessoas humanas e ativistas. O objetivo é migrar para o lado mais humano, o do comportamento positivo, pois ajudaria muito na saúde mental e na felicidade das pessoas.

Líderes tóxicos

Na sua opinião, vivemos uma pandemia de líderes tóxicos. Os psicopatas no mercado de trabalho sofrem déficit de emoções positivas, de empatia, de ética, o que acaba dificultando, inclusive, a retenção de talentos. Vários estudos comprovam esta sua percepção.

Em uma pesquisa informal que realizou em sua página no Linkedin, onde distribui uma newsletter para mais de 100 mil seguidores, 89% dos participantes declararam que tiveram líderes tóxicos. Um outro dado levantado é que 20% dos líderes mundiais são considerados psicopatas, percentual igual aos dos presídios.

Estudos mostram ainda que, em um grupo de 20 pessoas, com a entrada de alguém tóxico, há 54% de chances de um bom membro sair deste grupo. Levantamento da consultoria de recrutamento Michael Page afirma que oito em cada dez profissionais pedem demissão por causa do chefe.

“A pessoa tóxica começa a contaminar as outras ainda mais se tem um cargo de chefia. Ela acaba influenciando como as pessoas se comportam no ambiente. As pessoas tóxicas tem uma justificativa para tudo. O sistema sempre foi assim, eu sofri mas olha como estou bem, se passei por isso, você também pode passar. São muitas as desculpas. É muito difícil mudarem, especialmente, quando a idade e o poder vão avançando. Só por meio de um trauma.”

A solução é trabalhar com as pessoas que estão no meio da carreira e mostrar para elas que existem outros caminhos. E se você for uma pessoa legal, as pessoas vão trabalhar por você. O ambiente vai ficar mais leve e será muito melhor.

Mercado Financeiro

Em 2009, montou a primeira empresa que já nasceu voltada à ESG. Hoje, o Grupo Gaia é formado por várias companhias, a maioria no setor financeiro – inclusive, uma delas, a securitizadora Planeta foi criada há um ano e vendida para OPEA em março. Há também um braço no terceiro setor, a Gaia Mais, dedicada à educação de crianças carentes.

Mesmo atuando neste mercado, é bastante crítico a ele. Alega que é um câncer para a sociedade que tende a perpetuar e aumentar essas desigualdades, pois concentra dinheiro, poder e influência de A a Z. Toma como exemplo o desmatamento: “estamos discutindo como acabar com o desmatamento ilegal do Brasil…temos de acabar com o desmatamento e pronto. Se os bancos falarem que não vão financiar ninguém que desmata, acaba o desmatamento no Brasil.”

Acredita que a mudança vem da consciência coletiva. “Não podemos esquecer que, por maior que o banco seja, ele é movido à base da confiança das pessoas. Se todo mundo for lá sacar seu dinheiro e colocar em outro, a instituição simplesmente quebra. Se a ONU criar um banco do bem, super forte e todo mundo migra, pronto, acabou.”

Abraçando causas

Em 2020, a Gaia passou a abraçar causas, tornando-se uma empresa ativista. Entre os projetos estão o financiamento da agricultura familiar com cooperativas ligadas ao MST e o SOMA – Sistema Organizado de Moradia Acessível que vai oferecer moradia a baixo custo no centro de São Paulo. Atua exclusivamente com investimentos de impacto socioambiental e realizou operações financeiras inovadoras, como CRA Cooperativas MST e Token Raiar (financiando agricultura familiar), CRI SOMA (locação acessível no Centro de São Paulo) e Debênture Vivenda (reforma de casas na comunidade).

Este trabalho o forçou a sair de suas bolhas. Foi conhecer de perto os assentamentos geridos pelo MST para entender a realidade do Brasil. Agora está com sua atenção voltada para os povos indígenas. “Aprendemos na escola o quanto os portugueses são inteligentes e maravilhosos e ao chegar no Brasil encontraram um indígena, quase um animal. Se soubesse a quantidade de sabedoria que os indígenas têm seria incrível. Teríamos uma distribuição de renda completamente diferente”, argumenta. “Quando estamos na nossa bolha, convivemos com pessoas iguais. Você entra na sua academia e nunca vai encontrar uma pessoa trans. No mercado financeiro, dificilmente se cruza com alguém declaradamente LGTBQIAP+. O que é dominante são homens, brancos e héteros. Essa pequena parcela da população tem o poder de influenciar a vida de muita gente.”

Para a mudança acontecer

Para o autor do livro “Onda Azul: 5 passos para você formar uma equipe feliz e empreender com sucesso” que chegou a ser o mais vendido da Amazon na categoria empreendedorismo, as pessoas mudam por 3 C: consciência, coerência ou constrangimento. Por exemplo, conscientemente, é importante ter política afirmativa de cotas para contratar e treinar pessoas negras para futura liderança. A coerência vem em seguida. Se a liderança se comprometeu em fazer este programa para negros, deve colocar em prática para não ter o constrangimento da cobrança. Infelizmente, o que se tem visto é que começamos sempre pelo constrangimento e aí a mudança acontece na marra.

Pacífico resume: “há um caminho, vai acontecer, estamos trabalhando para isso. Mas temos de ficar atentos pois o Brasil ainda é um país escravista e colonizador.”

Ouça o episódio 51 do podcast “Somos Newa”: Vivemos em uma pandemia de líderes tóxicos.

João Paulo Pacifico é CEO Ativista do Grupo Gaia, Empresa B do mercado financeiro, com mais de R$ 20 bilhões em operações em 13 anos. Atua exclusivamente com investimentos de impacto socioambiental e realizou operações financeiras inovadoras, como CRA Cooperativas MST e Token Raiar (financiando agricultura familiar), CRI SOMA (locação acessível no Centro de São Paulo) e Debênture Vivenda (reforma de casas na comunidade). Co-fundador da Gaia+, ONG de educação socioemocional que atua com professores e alunos de todo o país, conselheiro do Greenpeace Brasil e autor dos livros Onda Azul e Seja Líder como o Mundo Precisa. Apresentou o programa Felicidade iLtda na Rádio Globo e o podcast BTalk, em parceria com o Sistema B. Por ser referência em Liderança Humana e Cultura Corporativa, virou Top Voice no LinkedIn (460 mil seguidores). Autor da newsletter no LinkedIn Liderança e Impacto (125 mil assinantes)