Vamos falar de privilégio branco e racismo?

Ser uma pessoa inclusiva requer uma postura intencional de revisitar seu privilégio saindo de um comportamento de negação, vergonha e silenciamento para uma postura inquieta de agir em prol da transformação social.

O dia 23 de agosto foi instituído pelo Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como o Dia Internacional de Lembrança do Tráfico de Escravos e de sua Abolição.

A data, além de se destinar a honrar a memória dos homens e mulheres que se revoltaram em face da escravidão em 1791, também é um momento de aprofundamento da reflexão sobre como as pessoas brancas se tornaram racistas.

Segundo a Unesco, o horror da escravidão nos faz pensar e questionar a nossa humanidade compartilhada. A escravidão é o produto de uma visão de mundo racista que perverte todos os aspectos da atividade humana. Estabelecida como um sistema de pensamento, ilustrado em todas as formas de trabalhos filosóficos e artísticos, essa perspectiva tem sido a base de práticas políticas, econômicas e sociais de alcance global e com consequências no mundo. Persiste hoje em discursos e atos de violência que não são isolados e estão diretamente ligados a essa história intelectual e política dos sistemas de dominação.

Carine Roos, fundadora e CEO da Somos Newa, atua há mais de 10 anos com Diversidade e Inclusão. Possui diversas especializações como o Programa Executivo de Liderança Feminina da Columbia Business School, Master em Programação Neurolinguística,  treinadora comportamental no Instituto de Formação de Treinadores (IFT), Coaching, Hipnose Ericsoniana e Formação em Comunicação Não Violenta.

Ela levanta aqui cinco pontos para entendermos e mudarmos o nosso mindset sobre os privilégios de ser branco em uma sociedade desigual.

1 – Como assim eu sou racista?

Você pode estar se perguntando, indignado. Afinal, você tem colegas negros que considera amigos; não vê a cor da pele; nunca teve escravos. Mas como a psicóloga e ativista brasileira, diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Cida Bento, em sua tese de doutorado “Pactos narcísicos no racismo: branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público”, o racismo é uma visão de mundo configurando um posicionamento de vantagens calcado no silêncio e omissão (diante do racismo) por um lado, e por outro, na prática discriminatória sistemática com vistas a conseguir e manter situações de privilégio que impregna a ação e o discurso; e que justifica / mantém / reproduz as desigualdades raciais no trabalho.

2 – Você sabe o que é privilégio branco?

Privilégio branco é a vantagem automática que as pessoas brancas têm por viverem numa sociedade em que elas são valorizadas e, na maior parte dos casos, controlam e dominam os espaços econômicos, políticos e institucionais. É como nadar numa correnteza. Há pessoas que estão batendo braços e pernas, mas a correnteza favorece seu deslocamento mesmo sem que elas percebam. E há outras pessoas também batendo braços e pernas, mas a correnteza faz resistência constante a seu movimento. Reflita: nos restaurantes e bares que você frequenta quem são a maior parte das pessoas que estão servindo? E quem são a maior parte que está usufruindo do serviço? Quantas pessoas negras executivas estão em posições de comando na sua empresa?

3 – Por que é tão difícil reconhecer meu privilégio?

Por causa de ideologias. Uma é a meritocracia: somos ensinados que temos o que temos porque trabalhamos pra isso e merecemos. Ninguém nega que pessoas negras estejam em pior situação a partir de qualquer dado que se observe. E só existem dois jeitos de explicar essa situação: ou as pessoas negras são “inferiores” e somos, os brancos, “superiores”. Ou existe racismo estrutural!

4 – Se a maioria das pessoas acredita em justiça racial, como existe racismo?

“Eu, que sou branca, não nasci conhecendo o racismo, mas eu aprendi o que é racismo e supremacia branca. Ainda antes de eu nascer, as forças do racismo e da supremacia branca operavam a minha vida: por serem brancos, meus pais podiam viver em qualquer lugar que pudessem pagar e eles dificilmente seriam discriminados em serviços de saúde. Mas quem entrou no quarto da maternidade na noite em que eu nasci para limpar o chão e recolher o lixo foi uma pessoa negra. Ou seja, eu nasci e fui criada num ambiente racialmente hierarquizado que me influenciou. Pesquisas mostram que crianças de 3 ou 4 anos entendem que é melhor ser branco. É um processo que se consolida muito cedo”, explica Robin DiAngelo, consultora e educadora há mais de 20 anos em questões de justiça social e racial e autora de diversos livros, entre eles o Fragilidade Branca.

5 – O que é Fragilidade Branca?

“A fragilidade se refere à hipersensibilidade da branquitude quando confrontada com questões de raça, que as faz reagir ficando chateadas, bravas ou defensivas. Mas o impacto dessa fragilidade não tem nada de frágil. É bastante poderosa porque vem amparada na autoridade legal e no domínio institucional. Funciona como um policiamento racial. Tornamos tão punitivo para pessoas negras nos desafiarem e nomearem essas dinâmicas que, na maior parte das vezes, elas simplesmente decidem não falar. É mais um jeito de silenciar pessoas negras. A grande ironia é justamente as pessoas brancas serem supersensíveis quando o assunto é raça”, esclarece Robin DiAngelo.

Ser uma pessoa inclusiva requer uma postura intencional de revisitar privilégios saindo de um comportamento de negação, vergonha e silenciamento para uma postura inquieta de agir em prol da transformação social. É ser coerente e consistente entre aquilo que faz e fala em todas as áreas da sua vida, inclusive na esfera privada e nas micro relações de

poder com quem você partilha o seu dia-a-dia. Requer uma postura de aprender, reaprender e aprender novamente. Estar presente para sua fala, para as dinâmicas de poder dentro das relações interpessoais e, sobretudo, ouvir quem sofre a discriminação racial.