Para Nana Lima, co-fundadora da Think Eva e diretora de impacto da Think Olga, é necessário aumentar o nível de conscientização para esclarecer os tipos de assédio fazendo com que as denúncias aumentem. Empresas, sociedade civil e governo devem trabalhar em programas voltados para vítimas.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, 1 em cada 3 mulheres em todo o mundo já sofreu algum tipo de violência física ou sexual, seja em casa, em suas comunidades ou mesmo no ambiente de trabalho.
No campo econômico, a ONU estima mais de 47 milhões de mulheres e meninas vivendo em situação de pobreza extrema em 2021, revertendo décadas de progresso e perpetuando desigualdades estruturais que reforçam a violência contra as mulheres e meninas.
Aqui no Brasil, em novembro de 2019, a Think Eva apoiou a pesquisa “Violência Doméstica e As Empresas” que revelou que 72% das empresas nacionais não têm nenhuma ação combativa ou de apoio às funcionárias vítimas.
O Think Eva, juntamente com o Think Olga, são duas organizações irmãs que compartilham a missão de sensibilizar a sociedade para as questões de gênero e intersecções, além de educar e instrumentalizar pessoas que se identificam como agentes de mudança na vida das mulheres. A primeira, mais voltada para o setor privado e a segunda, dedicada à sociedade civil.
“A pandemia agravou muito a questão da violência e desigualdade social, mas elas já existiam antes. O que levantou foi o tapete da sociedade para estes temas”, comenta Nana Lima, cofundadora da Think Eva e diretora de impacto da Think Olga. ”Antes, eu ia falar com as empresas para saber sobre a estrutura que tinham para quem é vítima de violência doméstica, e encontrava uma cara de espanto do cliente, pois, na sua opinião, isso é uma questão de polícia, de Estado. Porém, o agressor ou a vítima pode ser um dos seus funcionários.” E acrescenta: “não gosto de entrar na questão da performance, porém acaba que as mulheres vítimas de violência doméstica faltam muito mais de trabalho e só isso não basta para convencer uma mudança de paradigma. A gente tem de olhar a responsabilidade daquela empresa, naquela comunidade, naqueles stakeholders que eles afetam e atuam.”
Um dos exemplos mais marcantes de atuação contra a violência da mulher é o Magazine Luiza. Em 2017, a gerente de uma unidade em Campinas, Denise Neves dos Anjos foi esfaqueada e morta pelo marido. Como resposta, foi aberto um canal de denúncias para receber registros que podem ser feitos pela vítima ou por qualquer pessoa que tenha notado algo suspeito. No app da Magalu, também há um botão diretamente ligado ao 190 para atender mulheres de forma discreta e segura.
Internamente, houve um trabalho de conscientização realizado pelo Think Eva. O primeiro passo foi uma pesquisa com os funcionários para saber como eles entendiam os tipos de assédio. Como resultado, na nuvem de palavras, o que mais apareceu foi a brincadeira. “Daí, você começa a entender a gravidade. As pessoas nem percebem que estão sendo vítimas de assédio. Quem dirá denunciar,” explica Nana. “Por isso, a importância do diagnóstico daquela cultura para saber se é um ponto de desafio ou oportunidade antes de atacar a causa. Depois, traçar a estratégia.”
Na rede varejista, a comunicação de exemplos de assédio foi feita por meio de bate-papo com os gerentes, cartazes no banheiro e rodas de conversa. Uma das maneiras de medir que a campanha de conscientização deu certo foi que as denúncias, além de aumentarem, foram muito mais qualificadas.
“A participação dos gerentes foi fundamental, porque a cultura vem top-down. Se você tem um líder que acha que isso é mimimi, que não entende o papel dele, fica mais difícil”, explica a executiva. “Devemos considerar o outro lado também. Muitas destas pessoas não têm familiaridade com estes temas, pois eles não atravessaram a sua vida por causa dos seus privilégios.”
Na sua avaliação, está havendo interesse crescente por parte dos homens em ouvir e se tornar parte da solução, principalmente porque são, na sua grande maioria, causadores do problema. “Se a gente trabalha só com a vítima, a questão da violência não vai acabar. Não dá para colocar o peso na mulher para resolver os dois lados. Temos de trazer os homens para esta conversa. Não basta apenas falar em conscientização. Por exemplo, na avaliação de um gerente deve constar: teve assédio na sua equipe? Como você agiu? O que tem feito para sanar esse tipo de comportamento? Tem uma frase que a gente fala: você não é um aliado se isso não te custa nada”, observa a publicitária, especialista em marketing focado no público feminino.
O tema do assédio se tornou tão forte que além de atingir as empresas, focando na letra S, da ESG, ganhou o mainstream com a exibição da série Maid, no Netflix. A personagem principal Alex foge de casa com uma criança de apenas dois anos e não contou com nenhuma rede de apoio para se reerguer frente aos diversos tipos de violência que viveu.
Ela encontra um emprego como faxineira para sustentar sua filha e construir um futuro para as duas.
Para Nana, a série mostra um total descaso da sociedade com esse tipo de situação. “Um quase “se vira aí”. Uma ausência total do Estado. E estamos falando de um país, os EUA, que ainda tem algum tipo de abrigo, ajuda. A mulher acaba se tornando a guerreira e romantiza toda essa situação de abuso e descaso.”
Por aqui, a Prefeitura de São Paulo criou o programa Tem Saída, lançado em 2018, com a iniciativa privada, e tem como proposta garantir nas empresas o número de vagas para mulheres vítimas de violência doméstica. “Este é um caminho,” observa a diretora. “Muitas delas não saem dessa situação por não terem autonomia financeira para bancar moradia, filhos. Muitas têm que sair da cidade para reconstruir sua vida. Como fazer isso sem uma garantia de renda?”
Vale lembrar que em nível federal, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos ocupa 0,03% das prioridades do orçamento. Em análise da curva ano a ano de 2014 a 2020, o que se pode notar é um decréscimo de gastos na pasta de políticas para as mulheres, enquanto os casos de violência contra elas só aumentam.
Por isso, a violência contra a mulher foi um dos eixos do laboratório de 2020/2021 da consultoria que tratou também da saúde feminina e da economia do cuidado. Neste ano, o objetivo é usar esta base para fazer uma pesquisa de investigação com propostas concretas para auxiliar as mulheres em busca de autonomia afetiva, financeira e de conhecimento. “Vamos chamar para a conversa mães, líderes de empresas, políticas, para olhar sob estas perspectivas e propor soluções práticas, pois precisamos de luz no fim do túnel”, finaliza.
Quer saber mais sobre este tema e outros assuntos como a economia do cuidado? Escute o episódio 41 do podcasting “Somos Newa”
Nana Lima, publicitária, cofundadora da Think Eva e diretora de impacto da Think Olga. Trabalhou em diferentes agências de publicidade em São Paulo até se especializar em marketing focado no público feminino em Barcelona, onde também obteve um MBA pela Esade Business School. Em 2016, foi eleita Top Voices Brasil pelo Linkedin.