Aceita que dói menos: Reflexão sobre o etarismo nas empresas.

O pilar da diversidade etária é um dos últimos que tem sido trabalhado pelas organizações. Por outro lado, é o que atinge ou atingirá todos os colaboradores já que vamos envelhecer. Para a especialista em Diversidade Etária nas Organizações, Fran Winandy, as empresas devem se planejar o quanto antes para essa realidade.

Quando vemos o interesse das empresas aumentando com relação à diversidade e inclusão, temos de comemorar. A questão é que por ser uma pauta muito abrangente, ainda não é possível abraçar todas as causas e combater de uma vez todos os tipos de preconceito.

Em uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, em 2019, com 124 empresas, a maioria da região Sudeste, observou-se que 63% adotavam Programas de Diversidade e Inclusão. Entre os tipos de diversidade mais abrangidos, destaca-se a etária, que ocupa apenas a 5ª posição.

Segundo estudo da Deloitte, 37% das organizações que estruturaram iniciativas para os 50+ criaram essas ações em 2021; e 34% das demais pretendem desenvolvê-las nos próximos 2 anos.

“O pilar da diversidade realmente é o último que tem sido trabalhado pelas organizações. Comecei a mexer com isso na época do mestrado em Administração de Empresas com especialização em Diversidade Etária nas Organizações. Naquela época, as pessoas de Recursos Humanos ou das áreas de diversidade me falavam: nosso foco é o pilar racial”,  comenta Fran Winandy, embaixadora do Movimento Somos 60+. “O pilar etário era pouco conhecido. Eu mesma descobri um pouco do que se tratava quando fui fazer o meu mestrado em 2012. As organizações começam a perceber a importância do público 50+. Mas estamos falando de todos os públicos porque a diversidade etária abraça todas as faixas etárias porque todo mundo vai envelhecer.”

De acordo com a OMS, o ageismo interage com outras formas de estereótipos, preconceitos e discriminações, incluindo o capacitismo, o sexismo e o racismo. Os preconceitos múltiplos somados pioram os efeitos sobre a saúde e o bem-estar das pessoas. 

Para a  consultora, que atua na área de Recursos Humanos e Diversidade Etária conduzindo programas de Diversidade Etária, há sempre uma intersecção quando falamos da questão etária. “Por exemplo, quem mais sofre de etarismo ao longo da vida é a mulher. Porque ela tem idade para engravidar, por ser mãe, se tem filho pequeno, há dificuldade para arrumar emprego, muitas vezes têm em casa filhos, netos, pais que cuidam. Não é fácil esse cuidado. É uma carga da mulher que ainda tem que se preocupar com a vergonha de envelhecer aqui no Brasil. A mulher idosa sofre mais preconceito por causa da roupa, do cabelo branco, da aparência envelhecida que muitas vezes é confundida com desleixo. “

Mulheres – O relatório “Global Learner Survey”, realizado pela Pearson em parceria com a Morning Consult,  aponta que 74% das mulheres disseram que preconceitos e discriminação ainda são ponto difíceis na hora de buscar novas oportunidades de trabalho. E 65% afirmaram que a discriminação de idade, o etarismo, é uma prioridade entre as questões que devem ser combatidas.

No Brasil, 87% das mulheres acreditam que têm menos oportunidades do que os homens no ambiente corporativo. Elas se preocupam que seu gênero e a idade sejam barreiras em suas carreiras.

Em seu livro “Etarismo, um novo nome para um velho preconceito”, Fran lembra que “precisamos desconstruir, primeiro, o preconceito dentro da gente. A mulher é a maior crítica da outra mulher. Se você ver uma mulher idosa com decote, saia curta, saltão ou com alguma coisa muito colorida, acha estranho, faz uma piadinha, um comentário pelas costas. As próprias mulheres tem isso dentro delas. “ 

E acrescenta: “Na sociedade machista o padrão de beleza está associado à juventude. Uma mulher mais velha para ser considerada bonita tem que parecer jovem. Não é à toa que somos o campeão em cirurgia plásticas e procedimentos estéticos. Se a mulher não tiver uma aparência mais jovial, magra, ela é classificada o tempo inteiro e pelas próprias mulheres. É uma situação muito complicada que tem que ser trabalhada em vários níveis. Não tem uma solução simples para isso.”

 

Existem algumas estratégias que podemos adotar para atacar o problema e começar a diminuir o ageismo:

– Políticas públicas;

– Conscientização, informação e mudança cultural;

– Fomento à interação entre gerações tanto dentro das empresas como na sociedade de um modo geral;

 

No mundo corporativo, algumas empresas estão saindo do básico de sensibilizações, workshops e abertura de vagas específicas para os 50+ e buscando soluções fora da caixinha. Uma delas vai propiciar mentoria através dos seus gestores para pessoas 50+ para profissionais que estão desempregados há algum tempo para orientá-los em suas carreiras. O interessante é que a empresa não tem, a princípio, intenção de contratar essas pessoas, mas ajudar na empregabilidade desses profissionais.

Um dos funis para a empregabilidade, aliás, é o plano de saúde que dobra de valor para um profissional mais sênior. Empresas e governo precisam trabalhar em uma solução. Neste sentido, a palestrante e professora de pós-graduação, sugere que poderia haver um subsídio para o profissional obter um plano independente da empresa. Outro ponto é a remuneração. Se é demitido na faixa dos 40, 50 anos para voltar ao mercado de trabalho, vai receber um terço do que recebia. De novo, poderia ter um incentivo com relação aos impostos, por exemplo, por parte do governo. “Uma ação deste tipo é mais efetiva do que a cota que acaba sendo antipático a quem contrata. É feita com má vontade, de qualquer jeito. Acaba trazendo as pessoas e encostando só para cumprir cota. Acaba mexendo com a saúde mental das pessoas”, argumenta.

Gerações – No cenário atual, as empresas abrigam em seu quadro de funcionários três gerações de forma significativa: “Baby Boomers”, “Geração X” e “Geração Y” e cada uma delas tem a sua particularidade.

Além disso, há a geração sanduíche especificamente que diz respeito às pessoas entre 50 e 60 anos que tem filhos que ainda moram dentro de casa  – chamada de geração canguru – muitas vezes tem netos e tem que cuidar dos pais ou sogros idosos que muitas vezes têm alguma doença crônica. A geração sanduíche acaba ficando espremida entres os mais velhos e mais novos e ainda tem que cuidar de sua carreira, sua própria saúde e até sustento.

“Temos de  abrir a cabeça e pensar em outras soluções. Porque é um fato. Estamos envelhecendo e tendo menos filhos. Cada vez menos teremos jovens talentos nas empresas que também vão envelhecer. Para sanar o gap, vão ter que trazer pessoas mais velhas. Aceita que dói menos, se planeja, faz uma programação, uma estrutura para esta realidade”, opina a psicóloga.

Para além do aspecto do trabalho, vale ressaltar que os 50+ são consumidores e movimentam R$ 1,6 trilhão por ano na chamada economia prateada. E esse número só tende a aumentar. Afinal, a cada 21 segundos, mais uma pessoa faz 50 anos no Brasil. 

Consumo – Estudo conduzido pelo Data8, núcleo de pesquisas da Hype50+, consultoria especializada no consumidor maduro, as categorias que mais tem preferência no mercado prateado são itens pessoais (37%), produtos para a casa (36%) e itens para a família (18%). Os usuários também costumam comprar livros, produtos de beleza, cosméticos, móveis e artigos de decoração, artigos esportivos, produtos para pets e passagens aéreas ou pacotes de turismo pela internet.

Por isso, muitas empresas já estão abrindo o olho. Um case a ser citado é de uma marca de cosméticos com vendedoras muitos jovens e produtos voltados para consumidores mais jovens resolveu fazer uma experiência contratando profissionais maduras e colocando nas lojas. “O que aconteceu foi que a consumidora mais velha começou entrar em suas lojas. Antes passava em frente a porta e tinha um pouco de medo de entrar porque só viam vendedoras superjovens, tatuadas e o ambiente tinha uma música alta. Quando notavam a vendedora mais ou menos da faixa etária dela, entrava e iam direto nela. E as consumidoras maduras têm ticket médio de compra mais alto. É uma boa prática. Um ganha-ganha”, relata Fran.

Em resumo, a  idade não pode se tornar uma dificuldade para as pessoas e nem para as empresas. “O autoconhecimento nos ajuda a desconstruir alguns preconceitos. Temos de olhar para o nosso envelhecimento com naturalidade, uma bênção. É um presente poder envelhecer. Mas você tem que se cuidar para envelhecer bem. Ter a cabeça bacana, a saúde em ordem, de preferência com trabalho, na ativa. Não pode ser algo pesado. É uma fase mais gostosa onde você vai poder ser mais você, sem estar mais tão preocupada com o julgamento dos outros e buscar ser feliz com a idade que tem”, finaliza a pesquisadora.

Ouça o episódio “O etarismo está nos detalhes” e saiba mais sobre este tema:

Fran Winandy é embaixadora do Movimento Somos 60+ e autora do livro “Etarismo, um novo nome para um velho preconceito”. Consultora, pesquisadora, palestrante e professora de pós-graduação, atua na área de Recursos Humanos e Diversidade Etária conduzindo programas de Diversidade Etária, Integração Geracional, Mentorias para a Longevidade, Pós Trabalho e Transição de Carreira, com formação em psicologia com MBA em RH e Mestrado em Administração de Empresas e especialização em Diversidade Etária nas Organizações.