Para o historiador e professor certificado do CCT, Cristiano Ramalho, a compaixão é uma predisposição, mas devemos treinar para desenvolver essa habilidade, pois sem este empenho, vamos apenas usá-la em nosso círculo mais íntimo ou em situações urgentes.
Se tivermos de estabelecer um marco, podemos dizer que a compaixão entrou, definitivamente, na vida do bacharel em história e funcionário público Cristiano Ramalho, por meio do Aikido. Claro, que este sentimento sempre fez parte da sua formação com a orientação de seus pais e criadores. Mas, foi no tatame que a prática começou a ser sistematizada. Seu mestre tinha um cuidado muito grande de ensinar aos alunos a não reforçar o ego tentando machucar alguém desequilibrado mesmo sendo atacado.
O próximo passo foi se aproximar do budismo e vivenciar a impermanência, deixando de colocar a sua felicidade sempre à mercê dos acontecimentos externos, citando, por exemplo, que uma pessoa só se sente bem quando faz sol, que dia que chove, invariavelmente ficará triste.
Nesta jornada, os anos de 2017 e 2018 foram fundamentais na sua busca para uma melhor
entendimento de como era possível treinar e cultivar a compaixão. Entrou para um dos mais importantes programas criado pelo erudito tibetano Thupten Jinpa e oferecido pela Universidade de Stanford, na Califórnia, conhecido como CCT: Compassion Cultivation Training, onde ampliou seus horizontes para sete dimensões que envolvem a compaixão: atenção, escuta, engajamento, presença, compreensão, ajuda e confronto. No mesmo ano se formou no curso Cultivando o Equilíbrio Emocional pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies.
CEB é um programa educacional, em que se trabalha com questões relacionadas às insatisfações da vida e desequilíbrios emocionais. A base teórica são métodos de treinamento da mente e métodos de regulação emocional.
Seus princípios centrais são a consciência e o gerenciamento das emoções; treinamento do controle atencional, consciência das mudanças e da interdependência; cultivo da bondade amorosa e da compaixão e, por isso, a necessidade de treiná-los constantemente.
“Cada vez mais a ciência tem explorado a questão dos seres humanos de forma mais específica. Como espécie, nós não somos tábuas rasas e vamos também aprendendo, a partir da nossa socialização e ao longo da vida, a nos lembrar destes dois lados”, explica o professor. “A compaixão se coloca neste lugar. É uma predisposição, mas devemos treinar para desenvolver essa habilidade. Fazendo um paralelo é como aprender outras línguas. O ser humano tem essa capacidade, só que se não treinar, estudar, se dedicar a outros idiomas falará, basicamente, sua língua paterna. A compaixão é a mesma coisa. Sem empenho, vamos apenas usá-la em nosso círculo mais íntimo ou em situações urgentes.“
Vindo à tona com força total em tempos pandêmicos, um sentimento humano que era tratado como natural, ganhou outros contornos e até causou um pouco de confusão com bondade, gentileza, empatia, caridade. Além de gerar frustração, angústia e até desespero por não saber como agir.
Muito recentemente, a diferença, por exemplo, entre empatia e compaixão passou a ser mais explícita. E mais uma vez foi a ciência que deu pistas para as particularidades de cada uma delas, valendo dos avanços da tecnologia. No século passado, os cientistas só podiam observar o cérebro de pessoas mortas. Eram apenas pedaços de tecidos para tirar alguma informação. Com a revolução tecnológica, é possível acompanhar o cérebro trabalhando, e foi a partir daí, que se pôde reconhecer que essas duas coisas não só tem conceitos diferentes como estão associadas a processos mentais completamente distintos.
“A empatia, de modo geral, mesmo que haja vários tipos, é a habilidade de se colocar no lugar do outro e tentar compreender o que está sentindo para agir de determinada forma.”
Por outro lado, tem essa outra habilidade distinta que seria a compaixão e que está baseada na empatia. É necessário sentir o sofrimento do outro para desejar ou aspirar tomar uma atitude que alivia aquela dor”, explica Ramalho. “Não é uma questão de rebaixar a empatia como um processo menor e sim, entender que os dois têm o seu lugar. A empatia está mais ligada a essa ressonância emocional e a compaixão vai além, pois envolve algum tipo de ação.”
Segundo o estudioso, como estamos no momento lidando com uma carga muito grande de sofrimento, o melhor é começar a treinar e agir compassivamente com pessoas mais distantes do nosso círculo íntimo para ver como nosso corpo reage, como nos sentimos e ir expandindo aos poucos. Um ponto crucial é integrá-la como uma meta, um plano, um objetivo como fazemos com os outros aspectos da nossa vida. “Estabelecer uma intenção é tão importante quanto exercitar a atenção. Elas andam de mãos dadas. Nesta etapa, também é muito importante a auto-compaixão pois se a gente não se cuidar a coisa toda pode degringolar a qualquer momento. Se andássemos de carro olhando para fora e não olhássemos para o marcador da gasolina que avisa que está acabando, iríamos ficar no meio da estrada.”
A auto-compaixão, a bondade amorosa é uma parte crucial do treinamento e precisamos buscar esse equilíbrio de olhar para dentro e para o outro ao mesmo tempo, entendendo que ambos são protagonistas e coadjuvantes nas suas histórias de vida.
Todo este pacote deve vir acompanhado de uma certa inteligência, abrir a mente para novos ensinamentos e formas de agir. “A gente está acostumado a seguir regras e listas. É muito improvável que a gente consiga ter boas escolhas e dar bons direcionamentos compassivos usando listas pré-programadas. Precisamos de uma inteligência relacional para entender que, às vezes, a instrução é ir para direita. Às vezes, para cima. Nem sempre uma lista de direções vai ser um bom mapa para situações reais complexas e multifatoriais”, explica.
As pessoas, em geral, e principalmente, quem está em cargos de liderança, não possuem uma relação boa com a palavra dúvida. Porém, é saudável ter dúvidas, assim é possível mudar a perspectiva sobre uma pessoa ou assunto a qualquer momento.
Um líder compassivo, em geral, cria uma transformação positiva no ambiente de trabalho. O clima organizacional é favorecido e, como resposta, há um aumento de engajamento e de produtividade. Além de tudo, é uma forma de mudar e otimizar a visão sistêmica da empresa. Fica mais fácil fortalecer a cultura e transmitir os valores certos. Com a satisfação dos liderados, o negócio passa a ter uma imagem interna melhor.
De acordo com pesquisas, a ética é o cerne de uma liderança compassiva. Uma definição muito usada para o tema é a do Dalai Lama em seu livro “Além da Religião”, na qual cita que “a ética secular são os princípios de autorregulação internos para promover aqueles aspectos da nossa natureza que nós reconhecemos como favoráveis ao nosso próprio bem-estar e ao bem-estar dos outros.”
Partindo desta base, o historiador ressalta ainda que um bom líder precisa ter consciência emocional e entender que as decisões levam em consideração as emoções, não só suas como as dos outros, e não podem ser feitas assim de uma hora para outra.
O equilíbrio mental consiste na inter relação harmoniosa entre as quatro esferas da experiência mental: conação, atenção, cognição e emoções, que revela um bem-estar duradouro e independente de estímulos.
Um outro ponto é a sabedoria para entender que, de alguma forma, dependemos uns dos outros. “Esse é um ponto interessante porque a dependência culturalmente é tratada como sempre uma coisa negativa. Esse aspecto da sabedoria seria reconhecer essas interligações que estão presentes e que a gente nem sempre dá valor ou reconhece. A sabedoria ajuda a discriminar claramente os conhecimentos e habilidades que dão origem à felicidade genuína a nós e aos outros”.
Meditação – Uma das ferramentas que entrou definitivamente para a nossa vida pessoal e profissional é a meditação. A prática fortalece as conexões cerebrais que nos ajudam a controlar os impulsos e também mexe com sistemas que são importantes para aumentar a empatia – o que faz com que quem pratica fique mais preocupado com o bem dos outros. Isso também nos leva a sentir felicidade.
Ainda há um mito que ela deve ser feita em algum momento do dia, em um lugar tranquilo, livre de barulho até com incensos e velas. Ramalho joga esta fórmula por terra. Para ele, o ideal é trazer essa consciência para as coisas que a gente já faz. “Em geral, pensamos na prática da atenção sobretudo como um momento que a gente precisa parar e prestar atenção na respiração, no mantra, no som e acaba criando a falsa dicotomia entre a vida e a prática. Imagina que temos uma hora querendo desenvolver atenção e 23 horas desenvolvendo a falta de atenção. É fácil imaginar quem vai ganhar esse cabo de guerra. Mesmo que a gente durma 10 horas por noite ainda vou ficar 13 horas contra 60 minutos. Não é uma boa matemática separar um momento para ficar o resto do tempo distraído. A ideia é que a gente traga um pouco as práticas de atenção para o que estivermos fazendo. Uma forma simples que pode realmente ajudar e tem fundamento científico é fazer três respirações profundas antes de responder um e-mail, participar de uma reunião, fazer uma apresentação.”
Vamos tentar?
Ouça ainda o episódio 37 do podcast “Somos Newa”: Compaixão se aprende.
Cristiano Ramalho é bacharel em História pela Universidade de Brasília e trabalha no setor público desde 2003 (Conselho de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CREA-DF, 2003-2012, 2012 – até o momento Gerente Técnico e de Fiscalização no Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal – CAU/DF). É professor certificado (Compassion Educator) pelo Centro de Pesquisa e Ensino de Compaixão e Altruísmo (CCARE) da Faculdade de Medicina da Stanford University (Califórnia, EUA) / Compassion Institute no protocolo Compassion Cultivation Training – CCT (Treinamento do Cultivo da Compaixão) da turma 2017-2018. No mesmo ano foi certificado como professor do Cultivating Emotional Balance – CEB (Cultivando o Equilíbrio Emocional) pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies (turma 2017).