A palhaça Nina Campos e o psicanalista Francisco Nogueira se juntaram para criar uma metodologia de desenvolvimento humano absolutamente inovadora. No projeto “Relações Simplificadas”, reúnem profundidade e leveza, conteúdo e experiências, seriedade e humor e fomos investigar com eles como a saúde mental está sendo tratada dentro das empresas.
Depressão, ansiedade, síndrome de burnout são palavras que entraram definitivamente no nosso vocabulário a ponto do Fórum Econômico Mundial incluir, no seu relatório anual de “Riscos”, mais estes desafios na longa lista de ameaças que desafiam o crescimento econômico e a estabilidade planetária para os próximos anos.
As questões relacionadas à saúde mental custaram US$ 2,5 trilhões ao mundo na primeira década dos anos 2000. Deste total, dois terços correspondem a despesas indiretas, como queda na produtividade, aposentadoria precoce, entre outros. Um terço equivale aos custos de diagnóstico e tratamento das doenças.
Segundo o World Economic Forum (WEF), no século XIX, a saúde física, bem como as regras e práticas de segurança redefiniram o sistema de trabalho em muitas economias. Mas, no século XXI, é a saúde mental, associada a regras de proteção e práticas, que vai determinar se as condições no ambiente de trabalho são apropriadas para o crescimento da economia baseada no conhecimento.
As empresas começaram a abrir o olho para esta necessidade. Diante de um assunto tão complexo, uma das ferramentas que pode dar uma aliviada nesse processo é o riso.
Esta junção, que a primeira vista parece estranha, tem sido a base do trabalho do casal Nina Campos e Francisco Nogueira. Eles juntaram a psicanálise à linguagem do palhaço para criar uma metodologia de desenvolvimento humano absolutamente inovadora. No projeto “Relações Simplificadas”, reúnem profundidade e leveza, conteúdo e experiências, seriedade e humor em um trabalho que alcança resultados diferenciados porque trata da “linguagem de programação”.
Nina Campos é palhaça e designer de relações. Já foi também publicitária e consultora na área de sustentabilidade. Fez uma pós pelo Projeto Cooperação e é co-criadora da POP – Palhaços a Serviço das Pessoas e seu parceiro, Francisco Nogueira, psicólogo formado pela UFRJ e psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, membro do seu Departamento Formação em Psicanálise. Ganhador do “Prêmio Ser Humano”, concedido pela ABRH – Associação Brasileira de Recursos Humanos e idealizador da Experiência de Escuta, serviço de acolhimento psicológico que atendeu mais de 5 mil pessoas durante 18 meses da pandemia.
Ambos acreditam em um mundo de relações de melhor qualidade e estão dedicados a colaborar para a construção de uma #CulturaPsi, uma sociedade mais aberta e familiarizada com as questões da mente e do mundo interno. Fizemos para eles cinco perguntas fundamentais sobre saúde mental e como evoluir com o tema individualmente e dentro do mundo corporativo.
1 – Vamos começar falando da cultura Psi – Psicológica, Psicanalítica e até mesmo Psiquiátrica, que além de identificar o sofrimento com antecedência, permite que nos comuniquemos e busquemos soluções antecipadamente. No atual cenário tem sido mais fácil falar sobre Saúde Mental ou ainda tem muito preconceito?
Francisco Nogueira: Quando se fala de cultura PSI, é uma possibilidade de transitar neste sistema sem esbarrar em preconceitos e estigmas. Há aquele estereótipo de que quem cuida da sua saúde mental é doido. Costumo brincar dizendo que quem cuida da saúde mental quer resolver seus problemas. Existe uma resistência muito grande ainda na sociedade.
A pandemia fez essa essa discussão avançar uns 5 ou 10 anos, sobretudo dentro das organizações. Havia sempre uma resistência da cultura PSI que engloba a psicologia, psicanálise e psiquiatria. Vale lembrar que já enfrentamos uma realidade manicomial institucional e não significa voltar a este modelo. Ninguém defende as internações como políticas públicas.
Nina Campos: Antes da pandemia, nosso foco era demonstrar como a saúde mental pode ajudar uma pessoa a desenvolver toda a sua potência. Era um processo de desenvolvimento para compreender o quanto se pode ir além se você cuidar do seu equilíbrio, do seu preparo emocional. Na pandemia, todos sofremos e aí fomos tratar de saúde mental por conta dos sofrimentos.
Terapia a gente merece, não precisa. Queremos sair do lugar de falar que estamos precisando de terapia para o que estamos nos dando um presente, um carinho. Quando estamos doentes, com uma úlcera por causa do nervosismo, comentamos que vamos ao médico. Agora se temos uma crise de pânico, não se conta para o escritório inteiro, se fala baixo. Não tem ninguém que não tenha passado um sufoco na pandemia. Uma das funções é fazer esta tradução, deixando o ambiente mais leve e acolhedor
2 – Falamos na abertura de que o riso é uma das mais antigas formas de comunicação. Como usar essa ferramenta para estabelecermos uma relação com o outro? Como funciona o treinamento da “Relações Simplificadas” ?
Francisco Nogueira: O riso estabelece uma comunicação muito imediata. O ator Pedro Cardoso mencionou uma vez que o riso era a expressão do sim. Quando você ri com alguém significa que está entendendo onde a comunicação está, colocando o outro no lugar de conhecimento. O riso alivia tensões, pois abre a nossa escuta e nos esvazia de preconceitos e equívocos. É uma ferramenta muito poderosa disponível para a humanidade desde sempre. Não precisa de nenhuma sofisticação tecnológica para fazer funcionar. Devemos usar e abusar de boas risadas.
Nina Campos: Vou fazer um resumo rápido da dinâmica para explicar como o riso funciona no nosso treinamento. Em geral, os participantes são chamados para um workshop sobre preparo emocional. Vale uma ressalva: é um preparo com a ideia de que não tem fim, assim como um preparo físico. Você vai na academia e começa com 1 quilo, dois e vai aumentando. Se parar, o corpo regride. Da mesma forma, o preparo emocional é para a vida inteira.
O workshop começa com o Francisco de blazer, psicanaliticamente colocado, apresentando um PowerPoint. Do nada, entra uma palhaça que provoca um choque e uma surpresa, possibilitando as pessoas saírem daquele lugar comum e irem para outro. Faço um aquecimento, pergunto o nomes dos participantes e vou descontraindo o ambiente. Faz anos que aplicamos esta técnica. Dá um medinho, mas vale confiar no processo. À medida que o Francisco vai trazendo conteúdo, eu vou intervindo, vendo as reações, pegando o pulso.
Quando falamos que quem manda em nossas ações, reações e relações não é a consciência e sim, o inconsciente, faço isso de forma leve. Qual foi a última vez que você pensou no seu inconsciente ? E que ele está programando você, determinando como você age, reage, se relaciona? Uma notícia tão forte como esta, é necessário fazer uma pausa. Sou palhaça e designer de relações, a ideia é ser designer de uma experiência para que a pessoa possa ser imersa em outro campo que facilite absorver o conteúdo. Não é só diversão. O palhaço está associado à alegria e à diversão. Na verdade, é um arquétipo que transita por todas as emoções.
3 – Como tem notado a mudança dentro das corporações com relação à questão da saúde mental?
Francisco Nogueira: Hoje, há um número muito grande de pessoas em sofrimento profundo. As pessoas entram em burnout cada vez em número maior. As empresas deveriam ter métodos de detecção deste sofrimento antes, para evitar que esta pessoa seja afastada por períodos indeterminados de tempo. A organização, atualmente, só percebe o problema quando tem uma queda na produtividade. Fornecemos ferramentas para que os gestores e colaboradores possam notar antes.
O primeiro passo é explicar como funciona a mente humana. Não é simples, mas pode ser simplificado. Não há um sistema universal pois cada um expressa o sofrimento de uma determinada maneira. Não levamos este conhecimento para formar psicólogos e psicanalistas nas empresas. O gestor já tem muitas frentes para atuar e ainda ser psicólogo? Não é este o pensamento.
Partimos do básico, que podíamos ter aprendido na escola, de se perceber e perceber o outro. Assim que começam a entender como a mente funciona, procuram análise, a se cuidar, a buscar indicações. É um processo bom para todo mundo: para pessoa, a empresa que vai ter um funcionário com menos risco de ter depressão, os colegas de trabalho que vão ter uma pessoa mais agradável para lidar.
Nina Campos: Um ponto importante da nossa visão é que a partir deste cuidado, será necessário pensar também na organização do trabalho. Se ele não mudar, vamos continuar neste massacre emocional. É uma responsabilidade nossa alertarmos para este fato.
No universo das empresas tem de tudo. Vai desde aquela que quer apenas uma palestra no Setembro Amarelo até aquelas que fazem trabalho de longo prazo. Atualmente já entramos na alta liderança. São 15 anos de história. Mas ainda tem o pessoal de RH que fica receoso de colocar uma palhaça e um psicanalista em um treinamento com o presidente da empresa. O riso deixa a hierarquia nivelada. Muitas vezes, há a recomendação de não falar com o CEO, mas ele também quer ser ouvido ou ouvir coisas que não falariam. A palhaça tem essa licença.
4 – Como provocar uma mudança efetiva para termos uma boa saúde mental?
Francisco Nogueira: Nosso trabalho coloca o ser humano no centro, sem reproduzir o que oprime, explora, que é violento. Vivemos em uma sociedade onde a forma produtiva predominante neoliberal é de precarização, que traz uma série de males que precisam ser combatidos. A questão é que essa conta não fecha. Agora está na moda falar de salário emocional. Não devemos confundir princípio como benefício. É um direito trabalhar em paz em um ambiente psicologicamente seguro.
Certa vez, nos pediram uma palestra de 40 minutos para resolver esse problema do sofrimento. Temos de explicar que não funciona assim. Estamos lidando com o aparelho psíquico que é muito sensível. Não dá para trocar uma peça e pronto. Por isso, quando recebemos este tipo de demanda, temos a liberdade de falar que a intenção é boa, mas o percurso precisa ser repensado. As pessoas até podem sair bem de uma atividade curta. É como tomar um porre de cerveja. Na hora, é só alegria. Depois vem a ressaca. Por isso, optamos por um caminho mais difícil para se manter fiel a uma ética que acreditamos.
O que tentamos fazer é valorizar uma ética que na psicanálise chama-se a Ética do Desejo. O colaborador que deseja trabalhar na empresa, vai vestir a camisa, será mais feliz, sofrerá menos. Preferimos olhar para a complexidade do processo do que buscar atalhos. Não há uma solução simples, ainda mais se não estivermos dispostos a botar a mão na massa. Ao instigar o desejo, podemos realmente mudar o sistema. O desejo é revolucionário.
Nina Campos: Lembro de um dos bordões que usamos: idealizou, se frustrou. Temos de parar de botar expectativa em tudo e se concentrar no pedacinho, grãozinho que posso fazer, em micropassos. Há sete dimensões de cuidado. Não temos como englobar todas? Fazemos um pouquinho de cada. Desta forma, não sobrecarrega ninguém. E colocando este pequeno passo no dia a dia, vai crescendo aos poucos.
5 – Qual o papel das relações no caminho do autoconhecimento?
Francisco Nogueira: O processo de aprendizado se dá na relação. A primeira delas é com a gente mesmo. Dormir, se alimentar bem, fazer pausas, cuidar dos sentimentos e emoções. São atividades essenciais para sua saúde mental. Só depois de cuidar de você vai poder cuidar da sua relação com o mundo, com equipe. O gestor que não faz uma boa gestão de si não tem como fazer uma intervenção na equipe. Se está saturado é como adicionar sal no copo d’água. Chega um ponto que se forma um acúmulo de sal no fundo. Ele não suporta mais absorver tanta informação e começa a errar. Se a mente estiver mais limpa, tudo flui melhor.
O mundo precisa de cuidado se quisermos continuar avançando. O desenvolvimento não é garantido. A pandemia provou que podemos regredir. Até agora, cuidamos muito do maquinário, agora chegou a vez de olhar esta parte fundamental de quem vai transformar máquina e trazer o diferencial.
Não deixe de ouvir o podcast Somos Newa: “Levando o poder do riso para as organizações”
Nina Campos, palhaça e designer de relações. Já foi também publicitária e consultora na área de sustentabilidade. Fez uma pós pelo Projeto Cooperação e é co-criadora da POP – Palhaços a Serviço das Pessoas e seu parceiro, Francisco Nogueira, psicólogo formado pela UFRJ e psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae, membro do seu Departamento Formação em Psicanálise. Ganhador do “Prêmio Ser Humano”, concedido pela ABRH – Associação Brasileira de Recursos Humanos e idealizador da Experiência de Escuta, serviço de acolhimento psicológico que atendeu mais de 5 mil pessoas durante 18 meses da pandemia. Eles juntaram a psicanálise à linguagem do palhaço para criar uma metodologia de desenvolvimento humano absolutamente inovadora com o projeto “Relações Simplificadas”.