Saúde mental é você estar em paz com sua família, amigos e trabalho

Para a psiquiatra Maria Francisca Mauro cada um de nós temos a própria definição sobre saúde mental. Com sua larga experiência atendendo empresas, pôde perceber que até falar sobre o tema é diferente entre os diversos níveis hierárquicos.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar suas próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade.

Dedicamos grande parte do tempo de nossas vidas ao nosso emprego e nem sempre isso é prazeroso ou satisfatório. Durante os últimos dois anos, grande parte das pessoas sentiu um aumento dos níveis de pressão reconhecida no trabalho – seja por questões de mercado, demissão, reestruturação, novas formas de interação, digitalização de relações, ajustes de práticas organizacionais ou simplesmente devido à mudança de expectativas individuais sobre o que queremos da nossa vida profissional. Isso tudo, certamente, nos trouxe um impacto pesado para o desafio de manter o equilíbrio emocional.

“A maior lição que a pandemia nos trouxe é que somos muito vulneráveis. Somos humanos e temos de exercer esta humanidade. Nossa vulnerabilidade pode nos tornar mais sensíveis para o necessário”, opina a psiquiatra Maria Francisca Mauro.

Em março de 2020, começou a se questionar como poderia informar sobre saúde mental e produzir dados. “Entrei numa espiral emocional de pesquisa, de um aprofundamento teórico e de entender como isso poderia impactar mais pessoas, multiplicando o conhecimento”, comenta. O resultado de suas inquietações foi a realização do Portal da Mente. O site apresenta um diário do comportamento onde resgatou o gosto pela escrita, uma editoria no blog, a Vanguarda, dedicada às empresas com temas mais robustos, análise de cases de outros países e exemplos de estratégias bem-sucedidas no trato da saúde mental, um canal do YouTube onde fala do ponto de vista de quem está adoecido e um mapa onde se encontra ajuda emocional de graça em todo o Brasil.

Para falar mais sobre saúde mental e o papel das empresas visando o bem-estar de seus colaboradores, fomos conversar com a pesquisadora em saúde mental Maria Francisca Mauro, mestre e doutoranda pela UFRJ e idealizadora do Portal da Mente.

O que é saúde mental?

Para a Organização Mundial de Saúde há uma saúde física e do bem-estar. Esta definição passa ao largo do que cada um experimenta. Para cada pessoa, a saúde mental tem a ver com o alinhamento dos seus valores e de suas expectativas. Muitas vezes, as pessoas se lançam em projetos que não se sentem pertencentes. Vemos carreiras de sucesso com profissionais infelizes. Em resumo, a principal definição de saúde mental é a pessoa estar em paz com sua família, amigos, trabalho. A minha saúde mental é muito diferente da sua. Cada um tem uma singularidade que deve ser respeitada. Ao mesmo tempo, somos pertencentes a coletivos que também nos dão limites e devemos nos adequar.

 

Como a saúde mental se transforma ao longo da vida de acordo com as experiências e com os ambientes nas quais o indivíduo está inserido?

Cada etapa da vida tem uma função e o amadurecimento. Os jovens têm uma expectativa de crescimento exponencial em um curto espaço de tempo. Antigamente os executivos demoravam para atingir esse ápice em torno da quinta ou sexta década de vida. Hoje, temos cargos de lideranças ocupados por jovens na segunda década de vida, o que às vezes implica que ainda a pessoa não tem uma tranquilidade de amadurecimento para discernir as suas decisões. Este é um fator importante. Para atingir este resultado rápido, mesmo que tenham capacidade, há um custo de um esgotamento emocional. Existe uma valorização de hard skills muito pesada com entradas precoces no mercado e trajetórias exponenciais. Acho que cada vez mais a maturidade precisa ser valorizada.

 

Como vê a evolução no que diz respeito ao tabu que envolvia a saúde mental no trabalho?

Tenho 14 anos de carreira psiquiátrica. Antes, quando as pessoas se afastavam por questões relacionadas à saúde mental, dependendo da corporação que participavam, nem queriam o atestado médico. Durante esse período da pandemia,  a saúde mental deixou de ser acessório para se tornar essencial. Geralmente as pessoas falam em saúde mental em terceira pessoa e agora passou a ter nome e sobrenome.

 

Existe diferença entre assumir as questões relativas à saúde mental entre os níveis hierárquicos?

Observo um movimento maior em falar de saúde mental, síndrome de burnout, assumir seu quadro clínico em um nível hierárquico menor, em iniciantes de carreira, estagiários. Este colaborador se sente mais confortável em compartilhar a sua dor, o motivo real da necessidade de afastamento do trabalho decorrente de algum quadro psiquiátrico ou mesmo algum quadro psiquiátrico associado ao trabalho.

Este comportamento não se verifica nos líderes, aqueles que têm times, pois eles precisam mostrar a sua performance no LinkedIn. Há alguns depoimentos pontuais de pessoas aprendendo a abrir mão da aparência e mostrando suas dores. O primeiro passo é estar em tratamento. Não podemos recomendar isso para um funcionário, se não se debruçar sobre suas próprias questões. A grande virada de chave para os líderes é buscar suporte, ajuda emocional e ter esta habilidade de introspecção. Fazendo isso, terá condições de melhorar a forma de comunicar ao time este processo. Ao iniciar o tratamento pessoal, já se nota uma mudança de ficarem mais sensíveis, com o ouvido mais aguçado para entender, por exemplo, se um funcionário não abriu a câmera, se a voz mostra o embaraço emocional  ou aquela pessoa que era competente começa a atrasar prazos, modificar seu comportamento. Ao ficar sensível às necessidades do seu time, começa a ter uma gestão mais inclusiva e real. Isso transforma as corporações.

 

Qual o papel do RH no diagnóstico e o apoio para melhorar o quadro de saúde mental da empresa?

As estruturas de RH são valiosíssimas sob o ponto de vista da psicologia organizacional. Essa equipe pode identificar, por exemplo, qual o número de funcionários estão sendo afastados por saúde mental e agir rapidamente. O RH tem uma fonte de dados para entender se a empresa está adoecendo mais ou menos. Se há mais casos em determinados times, pedidos de demissão, transferências, até tentativas de suícidio podem indicar a existência de um líder tóxico. Levantando estes números, podemos trabalhar a solução. Às vezes, nas dinâmicas de grupo com profissionais do RH, se pode identificar comportamentos sem que se precise falar em primeira pessoa. O primeiro passo é este diagnóstico e ver o que pode ser feito levando em conta os custos. Não adianta dizer que o ideal é que todas as pessoas tenham acesso a sua própria terapia e escolher o profissional. Talvez seja possível ter uma parte paga pela empresa. Muitas entram com paliativos como playlists de YouTube  ou app de meditação, mas há outros caminhos mais eficientes.

Para encerrar, a doutora Maria Francisca Mauro deixa um conselho: “Encontre sua missão porque nós temos uma. Às vezes, é difícil localizá-la. Por muitas vezes neste trajeto é mais fácil acreditar que não damos conta ou desistir. Não se atropele. Não vá além das suas forças. Mas também não minimize seus potenciais. Cada um aí tem o seu brilho,  sua forma de pensar, de sentir e se apropriar da sua vida. Este aterramento será essencial para atravessar os novos tempos sem nos perdermos numa corrente de informações desnecessárias.”

 

Ouça o episódio 48 do podcast “Somos Newa”, com o tema: Saúde mental não é acessório

Maria Francisca Mauro, psiquiatra, mestre e doutoranda pela UFRJ, pesquisadora em saúde mental e  idealizadora do Portal da Mente.