“Se tivesse uma palavra mais do que feminista, eu usaria”

Assim a jornalista Maria Cândida defende a sua jornada como influenciadora digital para dar voz às dores e alegrias de ser mulher.

Para a jornalista Maria Cândida, os 50 anos chegaram com tudo. No dia do seu aniversário, quebrou a internet posando nua. Assumiu de vez o seu lado de influenciadora digital e também iniciou a carreira de modelo. Repórter do programa “É de Casa”, que vai ao ar aos sábados pela Rede Globo, se destaca pela versatilidade e por tratar temas como feminismo, menopausa, preconceito etário com naturalidade.

A apresentadora teve passagens marcantes por SBT e Record e na própria Globo como “Garota do Tempo”. Ela passou quase três anos na TV Aparecida e decidiu sair para montar um canal no YouTube para falar sobre as alegrias e dores das mulheres com mais de 40 anos. 

Há 11 anos, teve o chamado turning point, aquele marco que dá uma guinada na vida. Em 2009, fez uma série de reportagens com mulheres mundo afora. Viajou por vários lugares como África do Sul, Filipinas, Tailândia, França, Holanda, Finlândia, Lituânia, Peru, México e Estados Unidos e apresentou o programa “12 Mulheres”, nas noites de sábado, na Rede Record. Desta experiência, lançou, ainda, o livro “Mulheres que Brilham”  tendo como base entrevistas com mais de 144 mulheres.

“Eu queria conhecer as mulheres em diversas partes do mundo. Naquela época, não era simples assim pesquisar no Google e pronto. Usamos muito o Facebook para a pré-produção. A ideia foi minha junto com diretores da Record. Foi um projeto meio semi-independente com uma produtora”, relembra. “O objetivo era viajar, ir até os locais e ver in loco o que estava acontecendo. Então, teve uma curadoria muito legal. Sabe aquela bomba do bem que te desperta? Eu chorava com cada uma das entrevistadas. Eram 3, 4 por dia. Foi um divisor de águas na minha vida. Deixei a TV para escrever o livro, me separei porque meu casamento já estava naquele vai não vai, fiquei com uma filha pequena.”

O período seguinte foi cheio de obstáculos. O dinheiro que tinha guardado durou uns dois, três anos. Não conseguiu financiamento para fazer um programa sobre mulheres que havia planejado como continuidade. Viveu a crise dos 40 e saiu muito mais fortalecida. “Eu sei quem eu sou hoje. Já casei, tive depressão, quebrei, voltei, estou na menopausa. Eu não paro nesse processo de reformulação, mas tenho como base o caos que passei. E o resultado é que me tornei muito forte”, analisa.

Sendo uma nativa analógica, o flerte com a internet começou de maneira casual e sem dar a devida importância. Hoje, entende a força que tem esta mídia e usa o quanto pode para defender suas causas.

“Eu cheguei na internet quando ela era mato. Hoje, é importante para as mulheres de 35, 40 poderem ouvir a minha experiência. Pois é nesta idade que tem o lance do relógio biológico. Se a mulher é casada e ainda não tem filhos, começa a cobrança. E se ela decide ter filhos, tem que avaliar bem esta decisão. Porque vai parar sua carreira”, aconselha. “E se parar de trabalhar e resolver ser sustentada pelo marido, pode ter problemas lá na frente. Se ela quiser voltar para o mercado de trabalho vai ser muito mais difícil. Tem de prestar atenção e não romantizar demais”. 

De acordo com o relatório da ONU Mulheres “O Progresso das Mulheres no Mundo 2019-2020: Famílias em um mundo em mudança”, a incorporação das mulheres no mercado de trabalho continua a crescer significativamente, mas o casamento e a maternidade reduzem as taxas de inserção no mercado de trabalho e, portanto, de renda e benefícios associados à participação.  

No mundo inteiro, pouco mais da metade das mulheres com idades entre 25 e 54 anos são economicamente ativas, proporção que sobe para dois em cada três no caso de mulheres solteiras. Por sua vez, 96% dos homens casados estão economicamente ativos. 

“A sociedade não está preparada para receber a mãe no mercado de trabalho. Esta é a verdade. Tem muitas empresas que falam da questão intergeracional. Mas colocam 3 ou 4 mulheres maduras e pronto. Agora, encarar de frente a questão da maternidade não é fácil. Ter filhos trava a carreira da mulher, pode acabar com um casamento. Vou dar um exemplo simples que aconteceu comigo.  Ninguém entende quando se fala que passou a noite acordada por causa de uma criança. Eu tinha ajuda, pai colaborativo, babá, avó, mas, fiz de tudo para que minha filha parasse de chorar.  Reza, mandinga, passe e nada. Ficava simplesmente exausta e meu dia não rendia.”

Como palestrante, Maria Cândida atua em todo o Brasil, falando sobre o empoderamento feminino e apresentando histórias de diversas mulheres, das 144 que entrevistou, que são exemplos de superação.

“O que percebi é que cada continente tem um padrão cultural diferente. Eu mesmo posei de bonita em uma sala de reunião até entender o que estava acontecendo. Hoje, vejo essas meninas super empoderadas com 20 anos e elas não tem ideia do que já passamos”, opina.

Curiosa, vai pesquisando sobre todos os temas relacionados às questões femininas: “eu sou totalmente feminista. Se tivesse uma palavra mais do que feminista, eu usaria. Recebo críticas que tenho de ser menos feminista, que a mulher está perdendo a  feminilidade porque agora não quer ter filho, não quer ser mãe, mas bato de frente pois isto me irrita demais. Não tem esta cobrança para os homens”.

Uma das searas que se embrenhou foram os aplicativos de namoro e descobriu uma triste realidade. “Eu fui experimentar os aplicativos de encontros, pois preciso viver para entender os processos das mulheres. Encontrei homens que querem relacionamentos sérios, mas eu não. Gosto de falar logo o que procuro. Tive uma pessoa que me abordou em um momento impróprio e falei que não iria responder naquele momento. O cara simplesmente disse que eu era velha e chata, estava cheio. Que preferia as novinhas. Estou contando isto porque a gente tem que denunciar. É uma ofensa. E acontece milhões de vezes. É importante a gente falar para entenderem os limites.”

De acordo com uma pesquisa recente do Pew Research Center, de 2020, seis em cada dez mulheres com menos de 35 anos que usaram sites ou aplicativos de relacionamento disseram que homens continuaram a contatá-las, mesmo depois que elas disseram que não estavam interessadas, em comparação com 27% dos homens nessa faixa etária.

As usuárias mais jovens também têm duas vezes mais probabilidade de serem chamadas de algum nome ofensivo do que os homens (44% contra 23%) ou de sofrerem ameaça sobre agressão física (19% contra 9%) .

Na sua jornada pessoal, descobriu a chamada geração perennial, formada por pessoas de qualquer idade, que são atualizadas em relação à tecnologia e fazem parte dos diversos tipos de ambientes, mantendo amizades com indivíduos de qualquer idade. Entendem que a idade não é um fator limitante. Acredita que o futuro, inclusive dentro das empresas, seja assim: um mix geracional.

lembra que as mulheres, em particular, tem uma questão física  e psicológica que é a menopausa. Ela tem falado sobre este período em seu curso e em palestras, “é importante que a mulher se prepare, considere a necessidade de reposição hormonal para atravessar uma fase de sobe e desce de emoções, irritação e até perda de produtividade”, explica.

Quer saber mais? Ouça o episódio 22 do podcast “Somos Newa”:  Os sentimentos e as aflições das mulheres da geração madura.