Oito pontos de vista de Manoel Soares que você precisa conhecer

O autor do livro “Para Meu Amigo Branco” faz amplas reflexões sobre machismo, racismo e paternidade, entre outros temas.

“É importante entender que cada ponto de vista é à vista de um ponto e o nosso ponto muda o tempo todo. Todos estamos em movimento.” A frase é do jornalista, escritor, ativista e co-fundador da Central Única das Favelas, Manoel Soares.

Com reflexões mais amplas e com revistação sobre conceitos pré-estabelecidos, tem usado a sua força de comunicador para abrir mentes e corações sobre uma nova visão sobre temas como racismo, machismo e paternidade.

Para ajudar nesta discussão escreveu “Para Meu Amigo Branco” onde leva o leitor até a sua infância buscando as origens de como se tornou um racista e o que fazer para ser uma pessoa anti-racista em um país onde ainda sofre as consequências de 300 anos de escravidão.

O livro se propõe a ser um presente que vem de um lugar de empatia e educação sem deixar de ser assertivo, pois ele está convencido de que para cada branco que nós levarmos consciência nesse país existem pelo menos 100 negros que serão beneficiados.

Manoel Soares é pai de seis filhos. Foi morador de rua em Porto Alegre. Trabalhou com gráfica e na construção civil até chegar a RBS TV afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul onde ficou por duas décadas. Em abril de 2017, passou a integrar a equipe do Encontro com Fátima. Hoje é apresentador do programa “É de casa”, ambos programas da Rede Globo.

Acredita que é possível tentar pegar os escombros que estamos vivendo em tempos de reconstrução e polarização e construir pontes. Separamos aqui oito temas para que possamos refletir sobre eles e quem sabe caminhar em direção a uma sociedade mais justa e com mais equidade.

Machismo

Os homens são educados para serem os “reis do nosso reino”, mas o reino dos brancos é muito mais amplo. Para os negros, a maioria das vezes se limita só a sua casa, onde eles chegam e podem botar o pé em cima do sofá, pedem um café, o jantar é servido e assim a vida segue. Quando chega a quinta onda feminista à luz de Lelia Gonzalez, Angela Davis, de uma série de mulheres importantes, nós, homens negros acabamos perdendo talvez o único reino que tínhamos. E para a mulher vira uma “Escolha de Sofia”, pois tem de decidir : se ela lutar contra está indiretamente a favor do genocídio do homem negro, se abrir mão, está sendo conivente com o machismo estrutural. É um lugar muito delicado.

Vítima como epicentro

Me dei conta do drama do homem branco que quer se desconstruir e está fraco. Nesta fraqueza, comete um erro maior ainda, colocando a vítima no meio do epicentro da discussão, exigindo dela um processo de solução. É até cruel, pois faz com que a pessoa reviva o problema. O branco, na intenção de encontrar solução para o seu problema de racismo, nos obriga a viver o nosso drama muitas vezes, inclusive os dramas que foram dos nossos antepassados, e quando isso acontece, a nossa potencialidade é colocada de lado. O objetivo do livro é que o meu amigo branco se olhe no espelho, se entenda, se conheça e  destrincha os seus conflitos. A partir daí, pode começar a mergulhar num diálogo baseado na equidade onde essas duas raças se encontram.

Diversidade

Ainda estamos no conceito da diversidade. Quando falamos de diversidade é porque existe um padrão, um status quo. Diversidade vem daquilo que diverge, diferencia. Ou seja, quando você provoca a inclusão é porque tem um padrão e quando se tem um padrão é porque não existe equidade. Eu acho que a grande sacada é começarmos a fazer essa essa provocação baseada na equidade que, muitas vezes, não é compreendida. 

Racismo

Não se entra duas vezes no mesmo rio. Quando você entra pela segunda vez, o rio já mudou e você também. É importante entender que cada ponto de vista é a vista de um ponto e o nosso ponto muda o tempo todo. Todos estamos em movimento. Na geografia da vida o machista que eu era há 10 anos é diferente do que eu sou hoje. Então, não fico colocando rótulos tão decisivos e fincados, porque corro risco de injustiça. Nessa hora, temos de reconhecer a honestidade e aí tem uma questão muito delicada. Porque quando o assunto é racismo, o nosso subconsciente nos trava porque ele não é honesto. O racismo é vil e vergonhoso, por isso nosso cérebro bloqueia se não formos avisados o tempo todo. Como preto, se estou ao lado de uma pessoa que comete um ato de racismo, devo alertar na hora. Sou obrigada a fazer isso pela educação. Porque o aculturamento ao qual a pessoa que cometeu o racismo foi submetida automaticamente naturaliza essa opressão que exerce sobre mim.

Paternidade

Há 130 anos eu seria vendido por R $400 no centro de São Paulo. É muito pouco tempo para encontrar o código do que é ser negro no Brasil. 

E tem umas exigências brancas muito complicadas. Por exemplo, querem que eu seja um pai amoroso. Há 130 anos os brancos tratavam os negros como bicho e agora querem que trate o meu filho como ser humano? A maneira que os negros tinha de demonstrar amor para o seu filho escravizado era ensinando a não me amar, para que quando se separassem no processo de venda, sofresse menos. Então o pai que amasse o seu filho no período da escravização, tinha que matar o amor . Aí chegam os brancos hoje e falam que não entendem como os homens negros não conseguem criar uma relação de conexão com o seu filho. A gente não consegue porque mataram o amor, destruíram os laços afetivos e agora ficam exigindo que seja reconstruído de uma hora para outra. 

Escravidão não acabou

O branco tem o hábito de escravizar. Escravizou o corpo negro para carregar pedra para construir a calçada de Copacabana, os monumentos. Depois,  obrigou-os a dançar. Aí mudou para fazer esporte. Agora escraviza a minha mente porque sabe que eu sou capaz de produzir uma percepção social que vai livrá-lo desse moto-perpétuo que se enfiou. Sabe que a nossa percepção de mundo não é binária. Ele se refunda agora a partir de uma escravização intelectual onde, inclusive, não quer me pagar por isso. Este livro deveria custar R $1000 cada exemplar, pois levou 40 anos para ficar pronto. Este livro pode salvar a vida da sua família porque a vida da minha família eu já estou salvando. Fico pensando que o pacto de narcisismo que o branco tem, o coloca no lugar que me causa vergonha alheia 

Mudança individual

A minha mudança não tem a ver com a sociedade, com o mundo, tem a ver comigo.  Não culpo a estrutura da sociedade. A sociedade é muito etérea, não tem CPF, CNPJ. Não vou ficar botando a culpa nos outros. Se eu sou babaca, tenho de deixar de ser babaca. Entender a cabeça do machista foi fundamental para compreender a complexidade do que é ser racista. É muito complexo, porque tirar o racismo dói.  Assim como tirar o machismo dói. Se você não quer sentir dor, então continue no século 17.

Objetivo do livro

O livro aborda a primeira infância porque ali no seu cérebro reptiliano é que estão impressos os primeiros códigos racistas que recebeu. Não vou ficar trabalhando com sua consciência. Acho importante discutir a cota na universidade, o protagonismo no mundo empresarial, só que eu estou preocupado com o ser humano, com o intuitivo, com a psique. Se eu conseguir virar a chave do seu psique, aí é efeito cascata. Temos de chegar em um momento em que a razão operacional da linha de raciocínio que compõe o processo do anti-racismo seja automática. O racismo mora no seu subconsciente, o anti-racismo precisa morar lá também. Se você precisa fazer um exercício ainda, é porque existe um problema. Tem algumas pessoas que não vão conseguir deixar de ser racista, aí tenho que criar dispositivos de lei para que o racismo não me machuque. O meu objetivo é alcançar o coração e mente não por amor, mas por estratégia. É o afeto como estratégia de sobrevivência.

O livro “Para o Meu Amigo Branco” está disponível nas plataformas digitais. As empresas interessadas podem solicitar uma tiragem especial para serem entregues aos funcionários, clientes e fornecedores.

Ouça também o episódio 21 do podcast Somos Newa: A desconstrução exige vigilância. Você está pronto para mudar?