Desumanização algorítmica: qual o impacto da gestão automatizada nas mulheres que trabalham no mercado digital?

A gestão algorítmica está transformando o mundo do trabalho com o uso de algoritmos para monitorar e tomar decisões, mas levanta preocupações sobre desumanização e inclusão, especialmente para as mulheres. A implementação ética e a supervisão são essenciais para garantir justiça e dignidade no ambiente de trabalho.

Conforme vamos evoluindo como sociedade, o mundo do trabalho está passando por uma transformação significativa. O avanço tecnológico e o surgimento da Inteligência Artificial (IA) estão redefinindo a forma como as empresas gerenciam seus trabalhadores e tomam decisões relacionadas ao trabalho. Em resposta a essas mudanças, muitas empresas estão adotando uma gestão algorítmica.

A gestão algorítmica refere-se ao uso de algoritmos para gerenciar trabalhadores, monitorar desempenho, atribuir tarefas e tomar decisões relacionadas ao trabalho. Esta prática tem se tornado cada vez mais comum em plataformas digitais de trabalho, como aplicativos de entrega e transporte. Embora a gestão algorítmica possa aumentar a eficiência operacional, ela também levanta sérias preocupações sobre desumanização, especialmente na ausência de supervisão significativa e automatização da gestão.

Isso porque quando as decisões de gerenciamento são totalmente automatizadas e baseadas em algoritmos, a interação humana e a supervisão direta são minimizadas ou eliminadas. Isso pode criar uma sensação de alienação entre os trabalhadores, que se vêem como meros números ou componentes de um sistema, em vez de seres humanos com necessidades e direitos. A falta de supervisão humana significa que questões como justiça, contexto pessoal e ética no trabalho são muitas vezes negligenciados. Os trabalhadores podem sentir-se desumanizados quando suas circunstâncias individuais não são consideradas nos processos de gestão.

Ainda a automatização da gestão pode levar à fragmentação do trabalho, onde tarefas são divididas em partes menores e altamente específicas. Isso pode resultar em um ambiente de trabalho onde os trabalhadores têm pouca ou nenhuma visibilidade sobre o processo geral ou os objetivos da empresa. A automatização também pode significar que decisões importantes, como demissões ou avaliações de desempenho, são tomadas sem consideração por nuances humanas. Esse tipo de gestão reduz os trabalhadores a engrenagens de uma máquina, desconsiderando suas competências, aspirações e necessidades específicas.

Impacto sobre as mulheres

As mulheres são particularmente vulneráveis a esses impactos desumanizantes por várias razões:

1) Subrepresentação em papéis de supervisão: Mulheres frequentemente têm menor representação em cargos de liderança e supervisão, o que significa que a perspectiva feminina é frequentemente ausente nas decisões de gestão algorítmica. Isso pode levar a políticas que não consideram adequadamente as necessidades ou desafios específicos enfrentados pelas mulheres no local de trabalho.

2) Segmentação em trabalhos precarizados: As mulheres são frequentemente empurradas para trabalhos que são mais propensos a serem controlados por algoritmos, como serviço ao cliente, cuidado e assistência, que são frequentemente mal pagos e precarizados. A gestão algorítmica nesses setores pode exacerbar a precariedade, implementando rigorosos sistemas de monitoramento e avaliação que ignoram as complexidades dos cuidados pessoais e sociais.

3) Invisibilidade e trabalho não remunerado: A gestão algorítmica pode ignorar ou subvalorizar o trabalho não remunerado que muitas mulheres realizam, como cuidados domésticos, filhos, idosos, pessoas doentes ou comunitários. Isso reforça as desigualdades de gênero, já que as plataformas digitais de trabalho muitas vezes não reconhecem ou recompensam adequadamente essas contribuições.

Supervisão humana e justiça algorítmica

Alguns caminhos para promover uma maior humanização do trabalho no contexto de gestão algorítmica são:

1) Desenvolvimento de algoritmos éticos: as empresas devem garantir que os algoritmos sejam desenvolvidos com princípios éticos que considerem a dignidade humana, justiça e igualdade. Isso inclui incorporar análises de impacto de gênero e outras interseccionalidades para garantir que as decisões automatizadas não perpetuem discriminações ou desigualdades.

2) Transparência nos critérios de automatização: as empresas devem ser transparentes sobre como os algoritmos são usados e quais critérios são considerados nas decisões automatizadas. É essencial que os trabalhadores compreendam como suas performances são avaliadas e tenham acesso a explicações claras e compreensíveis sobre como os algoritmos funcionam.

3) Supervisão humana: manter elementos humanos na supervisão dos processos algorítmicos é crucial. Supervisores devem ter o poder de revisar e, se necessário, contestar decisões automatizadas que possam ser injustas ou inadequadas. Isso ajuda a garantir que as nuances e contextos individuais dos trabalhadores sejam considerados.

4) Participação dos trabalhadores: incluir trabalhadores no processo de desenvolvimento e implementação de sistemas de gestão algorítmica pode ajudar a identificar e corrigir potenciais problemas antes que eles ocorram. Isso também empodera os trabalhadores, permitindo-lhes influenciar diretamente as políticas que afetam seu trabalho diário.

5) Revisão e avaliação contínua: as empresas devem realizar revisões periódicas dos sistemas de gestão algorítmica para identificar possíveis falhas ou efeitos adversos. Essas avaliações devem incluir análises de impacto social e de gênero para garantir que os sistemas estejam funcionando de maneira justa e equitativa.

6) Políticas de diversidade e inclusão: implementar políticas robustas de diversidade e inclusão pode ajudar a garantir que as decisões algorítmicas não excluam ou marginalizem grupos específicos, como mulheres. Isso inclui promover a equidade de gênero em todos os níveis da organização e garantir que os algoritmos não reforcem estereótipos ou vieses.

Ao adotar essas estratégias, as empresas podem mitigar os efeitos desumanizantes da gestão algorítmica e criar um ambiente de trabalho mais justo e humano para todos os trabalhadores, com atenção especial às necessidades e desafios específicos enfrentados pelas mulheres.

Carine Roos é especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão há 10 anos. Ela é CEO e fundadora da Newa Consultoria, uma empresa de impacto social que prepara organizações para um futuro mais inclusivo por meio de sensibilizações, workshops, treinamentos e consultoria de diversidade. Mais de 12 mil pessoas foram impactadas em vivências que somam aproximadamente 3 mil horas em salas de aula e cerca de 2 mil mulheres mentoradas, que hoje estão mais seguras, mais estratégicas, mais reconectadas com a sua história e com a sua essência. À frente da Newa, Carine tem como missão preparar líderes para que a diversidade e a inclusão sejam uma realidade imediata nas organizações.

Artigo publicado na Revista HSM Management em 08 de agosto