A busca de uma economia regenerativa, inclusiva e sustentável

Felipe Brescancini atua como diretor do Sistema B no Brasil, que certifica empresas voltadas ao social. Para chegar lá, fez transição de carreira, rodou o mundo e procura apoiar empresas e pessoas que querem gerar um impacto positivo na sociedade e promover o bem-estar geral.

Dez de agosto de 2014 foi um marco na vida de Felipe Brescancini. Ele e sua mulher, Gabriele Costa Bento Garcia, partiram para uma viagem de 400 dias visitando 40 países. O objetivo não era simplesmente ter um ano sabático ou uma viagem de lazer ao redor do mundo. O que vivenciaram foi uma experiência de empatia. Na mala de volta, veio junto uma nova profissão. Junto com Gabriele, fundou o Instituto Think Twice Brasil, consultor, especialista em programas pró-sociais e novas economias, pesquisador dedicado ao tema do propósito no trabalho que cause impacto na sociedade. Uma mudança e tanto.

“Foi muito intenso e ainda hoje a gente está resgatando o fôlego de tudo que passamos. São muitos os exemplos de ONGs e até de indivíduos que sozinhos tentam melhorar a vida da sua comunidade. Muitos deles viraram nossos amigos e mantemos contato até hoje, mesmo com as barreiras culturais e da língua”, comenta. “Isto nos deu um repertório para estudar mais, pesquisar, querer fazer algo também. Infelizmente, em todos os lugares que rodamos, percebemos que a desigualdade é um padrão. Qualquer cidadezinha, por menor que fosse, havia pessoas morando em situações degradantes, em condições de vida mínimas e víamos casas grandes, com carros importados. Por isso, todos temos de nos engajar para termos este comportamento mais compassivo. É um problema mundial que nós como humanos, temos de resolver”

Estes encontros estão documentados em mais de 300 fotos que transmitem a intensidade vivida e a trajetória de diversos líderes sociais que conheceram em formato de livro e site. As histórias inspiradoras, também, enfatizam aspectos sociais, culturais e políticos da sociedade, trazendo à tona ponderações importantes sobre direitos humanos, equidade de gênero e responsabilidade social.

A realidade que conheceu contrasta com uma pesquisa divulgada recentemente pela OXFAM, um conglomerado de 19 organizações e mais de 3.000 parceiros que atuam em mais de 90 países na busca de soluções para problemas da pobreza, desigualdade e da injustiça por meio de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais.

Nela, foi constatado que um milionário surgiu a cada 26 horas durante a pandemia, enquanto a desigualdade contribuiu para a morte de uma pessoa a cada 4 segundos. Os dez homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas de 700 bilhões de dólares para 1 trilhão e meio.

Por outro lado, a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza. No Brasil, o aumento da riqueza dos bilionários durante a pandemia foi de 30% enquanto 90% da população teve uma redução de 0,2% entre 2019 e 2021. Os 20 maiores bilionários do nosso país tem mais riqueza do que 60% da população.

“Sempre me chocou muito, não só por ter uma desigualdade tão grande, principalmente, mas também pelo fato de que os bilionários do mundo não tem muito o que fazer com tanto dinheiro. É mais uma mistura de poder, de conquistas de ego, de individualismo. E isto vem lá da pré-história. Os caçadores eram os que detinham a comida e, portanto, se tornavam os mais poderosos da tribo. Trazendo mais para os tempos atuais, a ideia de acúmulo deixou as pessoas ainda mais individualistas. Começamos a associar tudo com o valor, a satisfação e o prazer de onde moro, me alimento, trabalho.”

Para apoiar essa mudança de mentalidade, Brescancini assumiu a  diretoria de desenvolvimento de negócios do Sistema B no Brasil. Um movimento global que usa os negócios como uma força do bem redefinindo sucesso para construir uma economia regenerativa, inclusiva e sustentável.

O sistema B nasceu nos Estados Unidos com a proposta de certificar empresas que tenham um ambiente de trabalho que gerem impacto positivo na sociedade, garantindo uma maior promoção de bem-estar social.

Na prática, as empresas que têm buscado a certificação do sistema B devem se comprometer a ter altos padrões de gestão e transparência, incentivando benefícios sociais e ambientais, assim como fazer uma alteração no estatuto social em que se compromete a ser uma companhia para o mundo e não do mundo. No Brasil, são 230 empresas certificadas e mais de 4300 do mundo.

“Para se criar os padrões e os modelos para a certificação foi bem complexo. Estudamos 150 setores em 77 países e chegamos a um mínimo denominador comum. Usamos como benchmarking algumas empresas que já vinham adotando práticas incríveis. Oferecemos ferramentas que geram elegibilidade para as empresas certificadas. É uma criação em conjunto com empresas ao redor do mundo, construindo uma nova economia. Além disso, tem uma troca muito grande entre os participantes”, explica o executivo. “É um compromisso em se conectar com sustentabilidade, com impacto social, com a vida dos colaboradores, com o meio ambiente, a comunidade, toda a sua cadeia de valor. E os líderes devem ter uma preocupação verdadeira para fazer isso acontecer e de forma permanente”.

A busca de empresas para certificação cresceu mundialmente 60% nos últimos dois anos. O  Brasil é o precursor e tem entrado com muitos processos para serem analisados. Vale lembrar que a Natura foi a primeira empresa de capital aberto a se certificar no mundo, em 2014.  O Sistema B  tem se aprimorado, trazendo novas formas de medição, ferramentas, programas, para que mais e mais empresas possam participar.

“Para as empresas, se tiverem também esta postura voltada ao social, de se preocupar em gerar algum benefício para a sociedade, fazer acompanhamento, os efeitos seriam fantásticos. Claro que sei que as empresas têm medo de assumir este tipo de desafio. Por isso, o sistema B tem se estruturado para ajudar as companhias a traçar este caminho”, complementa.

Para ter uma visão mais holística e entender melhor a visão que os colaboradores têm sobre o tema, Brescancini apela para sua veia acadêmica. Ele tem mestrado em psicologia econômica pela London School of Economics and Political Science no Reino Unido, pós-graduado em comunicação pela ESPM e bacharel em administração pela PUC São Paulo. Ainda tem dois certificados de impacto social pela Artemísia e pelo Yunus Social Business Center e economias para transição pela Schumacher School.

Com toda esta formação, tem estudado de que forma as gerações têm priorizado comportamentos pró-sociais em vez de acúmulo de riqueza nas decisões relacionadas à profissão.

Os jovens da geração Z, por exemplo, não associam salário alto com sucesso profissional, segundo mostra a pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas e do Serviço de Proteção ao Crédito feita em parceria com Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.

Para 42% deles trabalhar com o que gosta vem em primeiro lugar, seguido por equilibrar trabalho e vida pessoal com 39% e ser reconhecido pelo que faz com 32%. Para apenas 31% desse grupo,  ganhar bem pode ser associado como garantia de sucesso profissional. 

“Isto abriu uma grande caixa de discussão de como este valor pode ser questionado. Na geração Baby Bommers, as pessoas vieram de um pós guerra o que as fazia ter um empatia extra pelos outros, pelas perdas de vida. Para eles, a ideia de ficar rico era o oitavo objetivo de vida dentro da lista de prioridades. Na primeira década deste milênio, virou o primeiro. Agora com a chamada geração Z é uma relação muito diferente. As pessoas estão mais voltadas com causas sociais, com seu propósito do mundo e o seu papel na sociedade”, opina.

Este modo de vida e de pensar, tem ocasionado um fenômeno diferente: o pedido de demissão em massa. Um levantamento feito no país pela Secretaria de Estatísticas Trabalhistas do governo  americano apontou que, apenas no mês de agosto do ano passado, 4,3 milhões de pessoas pediram para sair de seus empregos, em um movimento que recebeu o nome de ‘A Grande Renúncia’.

Na opinião do pesquisador, “o fato da pandemia ter obrigado as pessoas a ficarem em casa foi um propulsor para repensar no que fazia e como fazia. Começaram a desassociar-se da ideia de que precisavam estar fisicamente em um lugar para trabalhar e, principalmente, que podiam gerenciar melhor o seu tempo e fazer as coisas que mais gostam.”

Na sua  pesquisa, notou também que muitas pessoas fizeram ou buscaram uma transição de carreira. O primeiro dado que vinha à tona, quase naturalmente,  era uma inquietude muito grande de procurar algum trabalho mais significativo, de ser útil, ter uma relevância para a sociedade.

Um ponto que chamou a atenção do estudioso foi que ao analisar a retrospectiva das carreiras, identificava que, muitas vezes, a escolha da faculdade foi feita sem um processo efetivo de autoconhecimento.

“A consequência mais gritante foi que tomaram uma decisão equivocada, estudando algo que no final das contas, não se conectava com elas, seja por influência da família, das condições financeiras, uma pressão da sociedade. Ficou muito claro que houve uma falha no processo de educação”, relata. 

Na etapa seguinte, quando a maioria delas, já empregadas, o que se observou é passaram por um ambiente de trabalho muito tóxico, estressante e até sofreram burnout.

“Chegando neste ponto, a transição se torna necessária. Mas vale lembrar que no Brasil só quem tem certos privilégios pode se dar ao luxo de recursos econômicos para fazer essa transição. Eu trabalhei 10 anos em marketing e em determinado momento não enxergava mais valor em fazer as pessoas consumirem produtos que necessariamente não precisavam. Aí comecei a fazer a minha transição. Isto não é uma crítica ao marketing, mas uma provocação.

Quer saber mais ? Escute o episódio 39 do podcasting “Empresa humanizada: exceção ou modelo?”

Felipe Brescancini, consultor e empreendedor social, é especialista em Impacto Social e Novas Economias desde 2012. É diretor de desenvolvimento de negócios do Sistema B Brasil – movimento global que usa os negócios como uma força do bem, redefinindo o sucesso para construir uma economia regenerativa, inclusiva e sustentável.

Fundador e diretor do Instituto Think Twice Brasil, uma organização fundada em 2013, com o propósito de promover a Educação em Direitos Humanos, Cultura de Paz e Engajamento Cívico como ferramenta de transformação da sociedade. Felipe tem estudado de que forma as gerações têm priorizado comportamentos pró-sociais em vez de acúmulo de riqueza nas decisões relacionadas à profissão.

Além disso, é presidente do conselho consultivo da Plena Internet no Brasil, uma ONG global que defende os direitos das crianças e sócio da Virtuous Company, consultoria em governança corporativa, gestão, ética diversidade, liderança e propósito 

É mestre em Psicologia Econômica pela London School of Economics and Political Science (LSE) no Reino Unido, pós-graduado em Comunicação pela ESPM e Bacharel em Administração pela PUC-SP. Tem dois certificados em Impacto Social pela Artemísia e pelo Yunus Social Business Centre e em Economias para Transição pelo Schumacher College Brasil.