A advogada Mayra Castro atua em diferentes áreas fazendo conexões e parcerias pela arte de ser múltipla e diversa.
“Nem rótulos, pessoas ou notas definem a mim e o meu valor”. A frase resume a trajetória de Mayra Castro, que criou até um nome para sua profissão: designer de conexões e parcerias por não caber em nenhuma “caixinha”.
“Às vezes a gente vai ter que criar as nossas próprias caixinhas. Costumo dizer que sou um mosaico de minorias: mulher, negra, nortista e gay. Ainda bem que sempre fui ousada. Porque na faculdade não existia a famosa representatividade. O ser humano funciona assim: semelhante atrai semelhante, por isso, na maioria das vezes, é mais do mesmo”, comenta.
Amazônida, advogada e mestre em Direito Internacional e Europeu pela Universidade de Genebra, na Suíça, se apresenta como curiosa por natureza, conectora por escolha e diplomata por essência.
A vontade de ser diplomata nasceu na infância quando perguntou para uma tia qual a profissão que iria levá-la para rodar o mundo, falar outras línguas, conhecer culturas diferentes. Para chegar lá, o caminho natural seria a faculdade de Direito.
Ao terminá-la, recebeu o convite para ir morar na Suíça, onde ficou por seis anos. Classifica este percurso como árduo, mas reconhece como privilégios a base familiar e a rede de apoio que teve para poder começar sua corrida.
Na universidade, foi expulsa do mestrado por duas vezes. Na primeira delas, bombou em duas matérias e na segunda, teve que repetir uma. Não havia nenhuma regulamentação para este tipo de situação e foi graças à sua influência e poder de articulação que conseguiu convencer o reitor que lhe deu a autorização para continuar e conseguir o diploma.
“Minha jornada foi de transformação de dificuldade em oportunidade. Uma das minhas características é transformar limão em caipirinha. Eu não tinha noção de quem eu era. Fazendo essa reflexão, entendi que tinha muitas habilidades que não podiam ser medidas com provas. O reitor, de alguma forma, entendeu isso pois uma das minhas habilidades é tocar o coração das pessoas. Percebi que estava plantando sementinhas pelo meio do caminho que não estava olhando”, relembra a palestrante TEDx.
Ao se formar, na busca por emprego, encontrou uma oportunidade no Brasil de novo, pedindo uma oportunidade para a CEO em um processo seletivo que estava finalizando. Se tornou diretora e responsável pela criação do consulado científico do governo da Suíça em São Paulo, conectando os dois países nas áreas de ciência, inovação, arte e educação.
Neste primeiro emprego já sentiu na pele os preconceitos. Por ser jovem, no primeiro momento, a tratavam como secretária. Depois, veio a questão do assédio, ainda mais forte por ser lésbica. Para se livrar de situações embaraçosas, desenvolveu uma técnica particular, que explica:
“Toda vez que eu recebo um assédio, devolvo com um “não entendi”. Assim forço a pessoa a se repetir e aí a máscara cai. Essa foi a técnica mais eficaz que já utilizei até hoje. Como mulher lésbica, sinceramente, para aqueles que são mais atrevidos, aperto o botão da bomba atômica. Ponho mão no ombro e olho bem nos olhinhos da pessoa e falo: amigo, da fruta que você come, como até o caroço. Assim acabo com o brio masculino. Tenho tolerância zero com gracinhas e devolvo constrangimento.” E reconhece: “Nem sempre a gente tem reação na hora. Eu parei de me defender. Quando assumo que sou uma arara azul, se não sabe o que fazer comigo, não é problema meu. Sou uma mulher bonita, inteligente, independente. Se a pessoa não sabe lidar com isso, não é uma questão que eu vou absorver. Já não me incomodo mais em ser uma pessoa diferente. Se tiver que falar da minha sexualidade no ambiente de trabalho será naturalidade.”
A sensação de ser uma arara azul nasceu com a comunidade brasileira em Genebra. A cidade suíça tem cerca de 370 mil habitantes, sendo 38% deles estrangeiros com mais de 180 nacionalidades com suas histórias e culturas diferentes. Em termos de diversidade, é um contexto bastante peculiar onde teve a chance de viver e aprender.
“O nicho de brasileiros que tem essa abertura internacional é extremamente restrito. Tanto que em Genebra até hoje eu continuo sendo uma pessoa meio deslocada, pois nem todos sabem direito onde colocar uma mulher negra, da floresta, no meio daquele povo branco,” afirma a embaixadora do Seedstars World no Brasil. “Acredito que a gente precisaria fazer mais pontes no Brasil com o que está acontecendo lá fora. Estamos ainda muito fechados culturalmente, socialmente e economicamente e ganharemos com algum tipo de abertura. A questão é como fazer isso?”
Por outro lado, se sentia muito confortável na posição de mulher lésbica, pois considera a cidade mais aberta para as questãos LGBTQIAP+ e, também, em relação ao feminismo. Como sede de organismos internacionais, é um laboratório de políticas públicas cujas diretrizes afetam todos os países. Há discussões sérias com muito embasamento acadêmico. A ONU, por exemplo, tem um tratado de direito da mulher que, inclusive, foi ratificado pelo Brasil.
Na opinião da líder do Comitê de Sustentabilidade do Grupo Mulheres do Brasil, é importante pensar em recortes dentro do feminismo brasileiro, porque o que atinge as mulheres negras é diferente das brancas que também não é igual para as indígenas. “O nível de invisibilidade com relação às nossas raízes faz com que o Brasil, na minha opinião, seja um grande gigante de pele de porcelana. Não vi nenhum país que tenha crescido, prosperado, sem olhar para as suas próprias raízes.”
Conselheira emérita do Capitalismo Consciente no Brasil, questiona se há algum outro modelo econômico mais inclusivo e menos devastador.
E responde: “não me vejo mais trabalhando para o capitalismo. Estou disposta e disponível a trabalhar com o capitalismo. É importante a gente pontuar o que tem de errado e tomar responsabilidade para agir na medida do possível. Antes, pensava que a questão de guerras, fome e etc era o que mais causava dor na humanidade e aos poucos eu me dei conta de que é algo mais profundo: o sentimento de impotência que pega todo mundo.”
Com lições e histórias que vão desde um livro assinado por Mikail Gorbachev à gestão de crise no Amazonas, criou a marca mayracastro.pro, seu laboratório de conexões e parcerias que é pautado por sua essência que tem como propósito devolver para sociedade o que já recebeu.
“Sonhar é muito bom e tem duas etapas: uma que é bem metódica e a outra que são as intenções. Intencionar é o que faz realizar. O resto são pequenas ações do dia a dia. Não vou até Nova York com o mesmo movimento que faço para pegar um ônibus para ir no outro bairro, mas aos poucos, você vai fazer essa construção. As grandes conquistas são feitas das pequenas. Tenho uma crença que gosto de divulgar e repetir: eu sou e sempre serei o meu maior patrimônio e nunca será caro investir em mim mesma.”