Como o trabalho híbrido e home office ajudaram essas mulheres a chegarem em cargos de liderança?

Entre ser mãe, dona de casa, companheira, estudante e líder de uma empresa, executivas encontram no trabalho flexível a possibilidade de alavancar suas carreiras e de exercer seus diferentes papéis na sociedade

No mês em que celebramos o Dia Internacional da Mulher, questões como igualdade salarial e paridade da liderança se intensificam nas empresas, na mídia e até em encontros sociais.

A data que surgiu por meio de diversas manifestações de mulheres que cobravam redução de jornadas de trabalho, melhores salários e direito ao voto, foi oficializada no mundo no dia 8 deste mês por causa de uma greve realizada no dia 8 de março de 1917 na Rússia, em que milhares de mulheres pediam por direitos em meio a guerra, como comida e paz.

Anos se passaram e a luta feminina por mais direitos e espaço continua. Hoje um dos desafios é conquistar a paridade em cargos de liderança: sem um foco maior nessa questão de igualdade de gênero, no ritmo atual, a paridade entre mulheres e homens em liderança não será alcançada antes de 2053, segundo estudo “Women in Business: Pathways to Parity”, conduzido anualmente pela Grant Thornton, empresa global de consultoria, auditoria e tributos, que ouviu mais de 5 mil executivos de 28 países em novembro de 2023.

Mesmo com esse progresso lento, há razões para otimismo, segundo Élica Martins, sócia de Auditoria da Grant Thornton. “A conversa mudou nesses 20 anos. Há um maior empoderamento feminino para tomar decisões que apoiem suas próprias prioridades pessoais e de carreira. Isso inclui flexibilidade do modelo de trabalho, aceitação de diferentes padrões e características de liderança que abrem espaço para mulheres atuarem como elas mesmas em seus papeis como líderes”.

A flexibilidade como um trampolim para o sucesso 

A flexibilidade do modelo de trabalho, que pode ser aplicada como horário flexível para entrar ou sair do trabalho presencial ou regime híbrido ou home office, estão abrindo caminhos para as mulheres alcançaram posições de liderança dentro das empresas. É o que mostra a pesquisa “Avançando na Igualdade: Mulheres no Ambiente de Trabalho Híbrido”, realizada pelo IWG, líder global e nacional em espaços de trabalho flexíveis como coworkings e escritórios.

A pesquisa foi feita com mais de 1.000 trabalhadoras híbridas e descobriu que a flexibilidade permitiu que mais da metade (53%) buscassem promoções ou se candidatassem a cargos mais altos.

O estudo ainda mostra que:

  • Para 73% das mulheres em grupos minoritários o trabalho híbrido abriu novas oportunidades que de outra forma não teriam;
  • Dois terços (67%) afirmaram que a modalidade ajudou a nivelar oportunidades para a progressão na carreira;
  • Enquanto 70% acham que o trabalho híbrido tornou seu trabalho mais inclusivo.

Os dados abrangem mulheres que fazem parte de pelo menos um grupo minoritário, o que inclui aqueles que se identificam como LGBTQIA+, com deficiência ou de origem étnica minoritária.

Relatos exclusivos à EXAME de executivas de diferentes perfis e empresas exemplificam como suas carreiras alavancaram com a ajuda do regime de trabalho flexível, remoto ou híbrido.

As mulheres e os seus papéis

Um estudo anterior da IWG, chamado “Empowering Women in the Hybrid Workplace Report” publicado em 2023, mostrou o trabalho híbrido como uma estratégia crucial para os líderes de RH atraírem e reterem talentos. Isso é especialmente relevante para as funcionárias, com 40% indicando que a falta de flexibilidade no trabalho híbrido foi um fator decisivo para deixar seu emprego anterior.

A ideia é apoiada por pesquisas acadêmicas do Professor Bloom, professor de economia de Stanford e especialista mundialmente renomado em trabalho híbrido, que afirma que empresas que oferecem esse tipo de flexibilidade podem esperar ver as taxas de saída diminuírem em até 35%.

Para buscar diversidade, equidade e inclusão para o seu time, a ZAMP, master franqueada Burger King e Popeyes no Brasil, criou a área de diretoria de Pessoas, Cultura e Transformação no final de 2023 e chamou a psicóloga Mafoane Odara para liderar essa missão.

Para Odara, que teve experiência com seus pais em ações sociais na África e passou anos atuando no terceiro setor no Brasil, a flexibilidade é a resposta global para a redução da desigualdade entre homens e mulheres no trabalho corporativo.

“A Claudia Goldin, economista de Harvard, por exemplo, conduziu alguns estudos que mostram que a participação das mães no mercado de trabalho diminui após o parto em quase todos os países, na verdade em 134 países dos 195 que temos no mundo. A questão aqui nem é a paridade, é uma questão de gênero mesmo”, diz Odara que reforça que o estudo global mostra que 95% dos homens, entre 25 e 54 anos, estão ocupando a força de trabalho. “Quando vamos para as mulheres, na mesma faixa etária, o número de ocupação é de 54%.”

Para reduzir essa desigualdade, a diretora da ZAMP afirma que existem uma série de ações, e uma delas é a intencionalidade de potencializar a presença de mulheres não só em espaços de liderança, mas também pensar nos modelos de trabalho que temos hoje. “A implementação do trabalho híbrido já se mostrou no mundo inteiro como eficaz para a produtividade, mas também como um redutor das desigualdades.”

Mudanças no processo seletivo também são necessárias. Segundo Odara, a mulher é avaliada e julgada por seu gênero antes de entrar em muitas empresas.

“Até quando vamos ser questionadas no processo seletivo se queremos ser mães? Com quem vamos deixar os nossos filhos pequenos? Ou o que faremos caso eles adoeçam? Entre o papel de mãe, esposa e profissional, eu escolho ser os três, e isso é possível”, diz a executiva que é mãe de Mudrik, 10 anos, e da Makini, 6 anos.

O trabalho doméstico x corporativo

Para a grande maioria das mulheres (89%) que participaram do estudo do IWG, o trabalho híbrido também ajuda no equilíbrio entre as responsabilidades do trabalho e os compromissos familiares.

“É importante enfatizar que as mulheres dedicam 8 horas a mais do que homens nos afazeres domésticos incluindo cuidar de filhos”, afirma Carine Roos, mestre em Gênero pela London School of Economics and Political Science e fundadora e CEO da Newa, consultoria que prepara organizações para um futuro mais inclusivo.

Roos reforça que as mulheres trabalham em média 18,5 horas para girar a economia do cuidado, enquanto os homens ficam com 10,4 horas para essas atividades, segundo o IBGE. Quando o dado é global, a executiva mostra que disparidade do trabalho do cuidado como fator não apenas histórico, mas ainda presente.

“Elas são responsáveis por 75% do trabalho de cuidado não remunerado realizado, somando, diariamente, mais de 12 bilhões de horas gastas por mulheres e meninas em todo o mundo. segundo dados da Oxfam Brasil de 2020”, afirma Roos que reforça que a empresa tem poder de reter as mulheres no mercado de trabalho.

“A partir dessas pesquisas a gente pode entender que quando temos a flexibilidade do trabalho, isso pode impactar não só na qualidade de vida dessa mulher, mas na garantia de continuidade deste trabalho. Quando a empresa recusa o ambiente de trabalho híbrido e remoto, o que acontece muitas vezes é o abandono de suas carreiras”.

O cargo de liderança chegou na vida de Luciana Rodrigues, gerente de Desenvolvimento de Negócios da Cielo, antes da pandemia, quando o modelo de trabalho ainda não era híbrido.

“O grande desafio naquele momento foi conciliar o trabalho e a família, principalmente nos primeiros 6 meses que eu e minha família morávamos em Brasília e o meu trabalho era em São Paulo”, diz Rodrigues que tem 48 anos e é mãe de duas meninas.

A executiva, que atua há 20 anos no mercado financeiro, se mudou com a família para a capital paulista e vê hoje no trabalho híbrido a oportunidade de ser mais produtiva.

“Com o trabalho híbrido conseguimos ter mais interações dentro e fora da empresa, reuniões mais objetivas e a ausência na necessidade de deslocamento diário nos gera tempo para outras atividades com a família, estudo e bem-estar”, afirma Rodrigues que diz que não descarta a possibilidade de trabalhar presencial em um projeto muito interessante, mas que trabalhar híbrido hoje para ela é muito mais dinâmico. “Com a flexibilidade no trabalho eu consigo ser uma pessoa muito mais versátil dentro de todas as atividades que eu consigo ter durante o dia”.

A maternidade como mais um desafio

Além do trabalho de cuidado da casa, estudos mostram que as mulheres enfrentam uma diferença salarial significativa após a maternidade. Um artigo publicado em fevereiro deste ano na revista acadêmica European Sociological Review concluiu que as mulheres britânicas que têm filhos sofrem uma redução de salário, de médio a longo prazo, de cerca de 45% em relação ao que teriam ganho se tivessem permanecido sem filhos. A queda de rendimentos chega a cerca de 28% já no ano em que a mulher tem seu primeiro filho.

Outro estudo realizado pela London School of Economics and Political Science (LSE) em parceria com a Universidade Princeton comparou a condição de trabalhadoras em 134 países, com e sem filhos, mas de perfil profissional similar. O estudo constatou que a chegada do primeiro filho é um divisor de águas na trajetória feminina: 24% das mulheres deixam o emprego no ano inicial da vida do bebê e 15% permanecem afastadas depois de uma década. O quadro é ainda mais alarmante no Brasil: 42% das novas mães deixam suas ocupações ao parir, e 35% seguem nessa condição dez anos depois de dar à luz.

No Brasil, uma pesquisa realizada pela TIM, empresa de telefonia, mostrou que 78% das entrevistadas declararam ter perdido oportunidades de emprego por serem mulheres. O número cresceu para 82% quando a perda de oportunidades foi relacionada à maternidade. A pesquisa foi realizada entre os dias 22 e 28 de janeiro com 43 mil clientes de planos pré-pagos, que responderam voluntariamente as questões, sendo o público predominantemente jovem (72% dos participantes têm menos de 34 anos).

Na contramão deste cenário, algumas mulheres conseguiram ser promovidas durante e após gestação ou até no retorno para o mercado após a licença maternidade – tendo o trabalho híbrido como um grande aliado.

É o caso da Ollivia Maria, coordenadora de Marketing e Comunicação da Môre, talent tech com foco em produtos e serviços digitais. Maria é uma mulher transexual, mãe de 4 filhos, que com 57 anos viu acontecer as mudanças de regime de trabalho no mercado.

Seu primeiro cargo de gestão foi em 1992, quando liderou a área de eventos em uma outra empresa. Depois trabalhou anos com consultoria até que recebeu o convite para trabalhar na Môre em 2022.

“Entrei como UX Writer e fui crescendo dentro da empresa, justamente por este olhar que ela tem de valorizar os profissionais independentemente de onde eles estejam fisicamente”, diz a executiva que mora hoje em Florianópolis, Santa Catarina.

“A flexibilidade sempre vai democratizar, porque empresas flexíveis olham para as pessoas de outro jeito. Elas olham não como mais uma, mas como A pessoa que elas querem ter na companhia e ela vai buscar essa pessoa em qualquer lugar em que ela esteja. Então a flexibilidade faz com que você se sinta a pessoa certa para aquela vaga.”

Maria tem 4 filhos, três mais velhos e um de nove anos. A flexibilidade no trabalho lhe permite conciliar as responsabilidades com o filho mais novo, como pegá-lo na escola e levá-lo para almoçar.

“Às vezes ele faz dever de casa na sala enquanto eu estou trabalhando. Eu tenho muito mais flexibilidade com ele por causa do trabalho do que eu tive com os meus filhos mais velhos, de 30, 29 e 27 anos, que era um tempo em que eu tinha que estar presencialmente no escritório. Passava 8, 9 horas por dia longe deles. Só essa presença faz muita diferença”.

Graças ao regime home office, hoje a Môre conta com 47,13% dos funcionários fora de SP, sendo 20% mulheres.

Mulheres e os estudos

As mulheres costumam estudar mais para crescerem em suas carreiras, segundo estudo da Vagas.com, plataforma de oportunidades de empregos. Considerando a base de dados do Vagas, as mulheres possuem maior nível de especialização, com 14,1% possuindo pós-graduação em comparação com 12,2% dos homens. Apesar da formação, a pesquisa também destaca que, embora as mulheres representem a maioria na base dos currículos do site de empregos da Vagas, com 56% contra 44% dos homens, elas ainda enfrentam desafios consideráveis em termos de representatividade em cargos de média e alta gestão.

Cargos operacionais: 

  • mulheres ocupam 77% nestes cargos, enquanto os homens possuem 73%; 
  • Nos cargos corporativos, há igualdade entre os dois gêneros (16%);
  • Já nos cargos de média e alta gestão, há uma inversão: homens são a maioria, com 11%, enquanto as mulheres aparecem com 7% dos cargos.

Embora as mulheres apresentem maior nível de especialização acadêmica, o estudo mostra que essa vantagem não se traduz igualmente em oportunidades de carreira, sendo que elas ainda encontram diversos obstáculos na ascensão profissional a cargos de liderança, afirma Luciana Calegari, especialista em R&S da Vagas.

“Os dados do estudo reforçam a necessidade de uma atuação mais ativa das empresas na busca por uma equidade de gênero no espaço corporativo e a necessidade de programas e políticas que incentivem a ascensão profissional das mulheres, uma vez que formação elas já possuem”, afirma Luciana Calegari, especialista em R&S da Vagas.

Apesar de ainda não conseguir a paridade na liderança, é por meio da educação que as mulheres já se destacam no mercado. Esse é o pensamento da Vanessa Machado, executiva da TIM e natural do Amazonas, que foi promovida à gerente sênior do canal de lojas próprias logo após retornar da licença maternidade do segundo filho Isaac, hoje com 9 meses, e que aproveita o regime híbrido para apostar também em suas atividades como mãe e aluna.

“Posso dizer que foi uma grata surpresa ser promovida após a licença à maternidade. E sem dúvida o trabalho flexível me trouxe a leveza e equilíbrio para conciliar demandas pessoais e profissionais”, afirma Machado que reforça que nos dias em que está de home consegue acompanhar a filha mais velha na escola, aproveitar o momento de amamentação do seu filho e estudar.

“Com o trabalho híbrido, consegui iniciar uma pós-graduação EAD, participar de workshops sobre autoconhecimento e continuei com as aulas de inglês. Tudo isso não só porque ganhei tempo, mas também porque estou aprendendo a administrá-lo”, diz Machado. “Poder investir em desenvolvimento pessoal e intelectual é um dos maiores ganhos da flexibilidade no trabalho, ganha o profissional e ganha a empresa”.

O desafio para a paridade de gênero na liderança continua no Brasil e no mundo. Segundo dados de pesquisa de 2022 do IBGE, somente 37,4% dos cargos corporativos de liderança no país são ocupados por mulheres. No mundo, o Fórum Econômico Mundial estima que devemos levar cerca de 136 anos para atingir a equidade de gênero.

Sobre Carine Roos

Mestre em Gênero pela London School of Economics and Political Science – LSE. Também é pós-graduada na Faculdade Israelista Albert Einstein em Cultivando Equilíbrio Emocional nas organizações e atua como especialista em Diversidade, Equidade e Inclusão há 10 anos. Lidera a Newa, empresa de impacto social que prepara organizações para um futuro mais inclusivo por meio de sensibilizações, workshops, treinamentos e consultoria de diversidade.

Matéria publicada na Exame em 08 de março de 2024