Para a CEO da Learn to Fly, Flavia Faugeres, a amabilidade é a arte de construir relações e entender as dosagens de acolhimento, empatia, altruísmo e complacência. Com esses eixos, é possível termos uma liderança mais humanizada nas empresas. A base é o autoconhecimento e as habilidades socioemocionais.
Flavia Faugeres sempre foi muito apaixonada por gente. Com uma carreira de sucesso, alcançando altos cargos em grandes empresas, se viu aos 40 anos fazendo a seguinte reflexão: estou aprendendo algo novo? Qual é o impacto efetivo do meu trabalho? Sendo muito curiosa, não se via seguindo na mesma batida por mais 20 anos.
Depois de dois anos como CEO da BRF no Brasil, passagem que considera o maior fracasso de sua trajetória profissional, entrou em um período sabático e decidiu que iria se dedicar a um projeto que falasse com seu coração e propósito. A vontade de fazer as pessoas felizes foi o que bateu mais alto.
Movida a desafios, está à frente de um projeto inovador, a Learn to Fly, uma startup de psicologia e educação que ensina as pessoas habilidades sócio-emocionais.
A plataforma digital foi criada há 5 anos com Cecília Ivanisk e tem clientes como Ambev, Cosan, Kraft Heinz, Raízen, Quinto Andar. Baseada na web, oferece alcance global para que jovens acessem mentores, facilitem conexões significativas e utilizem ferramentas de desenvolvimento para crescimento profissional e suporte mental, emocional e pessoal.
Este ano Flávia foi eleita uma das 50 Mulheres de Impacto da América Latina pela Bloomberg Línea. Reconhecimento que vem da sua longa e vitoriosa trajetória: além da BRF, foi vice-presidente global de marketing do Burger King. Fundou a consultoria em branding True Brands & Business. Atuou como VP de Insights e Research, da ABInBev e no departamento de Marketing da Unilever.
Ela é mestre em Administração pelo Ibmec, em Marketing Quantitativo pela Universidade de Grenoble, na França, e possui graduação em Administração pela Fundação Getúlio Vargas e atualmente, cursa Advanced Leadership Initiative na Universidade de Harvard, um programa acadêmico focado no impacto social para líderes experientes.
Para o futuro, quer investir em networking para engajar pessoas que queiram trabalhar para fazer o bem, além de continuar estudando. Há dois anos, entrou para Harvard e conquistou a alegria de ler e aprender, principalmente, de como fazer as pessoas mais felizes e com maior bem-estar.
Nesta entrevista, com sua larga experiência no mundo corporativo, Flávia falou sobre a importância de saber lidar com nossas emoções, como desenvolver soft skills, a importância de uma liderança verdadeira, humanizada e empática.
1.Você acredita que estamos caminhando para ter empresas mais acolhedoras e humanizadas?
A primeira coisa que queria pôr em perspectiva é que está havendo uma mudança da sociedade e não só da empresa.
Na nossa educação, em geral, o foco era nos conhecimentos funcionais, em aprender matemática ou química sem fazer nenhuma conexão. Na escola, aprendemos muita coisa prática, mas não há uma aula sobre empatia ou resiliência, por exemplo. Não podia nem dar cola. Não aprendemos a trabalhar em colaboração. O Enem não se faz com seu melhor amigo, faz sozinho e ainda concorrendo com ele.
Quando chegamos em uma empresa que nada mais é do que um bando de pessoas juntas que deveriam trabalhar na mesma visão, elas não têm essas competências. Temos a obrigação de fazer empresas que sejam mais acolhedoras, mas a sociedade também.
2. Hoje, qual o cenário que você tem encontrado nas empresas neste sentido?
Temos duas gerações convivendo numa empresa. Eu sou a geração sanduíche onde
tinha uma mais antiga que acreditava que a empresa era feita de processos, sem querer falar sobre paixão e felicidade. Onde se pagava pelo trabalho das 9 às 5 e exigia-se
disciplina. Na época dos nossos avós, o sonho era se tornar funcionário público, pois tinha estabilidade.
Agora, os jovens estão buscando uma verdade maior pois vivem em um mundo instável. O futuro deles é ter cinco carreiras, 15 empregos, vários parceiros. Por isso a importância de ter seu próprio eixo emocional. E eles questionam mesmo: qual é a minha contribuição nesta empresa? Que relacionamentos me ajudam?
Vivemos essa transição e esse conflito. Estamos no borbulhar do negócio.
3. Quais seriam os próximos passos para termos uma liderança mais compassiva?
O primeiro trabalho é conseguir enxergar as pessoas como pessoas dentro da empresa, não como cargos ou números. A missão da Learn to Fly é encontrar a melhor versão de si mesmo, qualquer que seja seus talentos, sua paixão, o que faz você brilhar.
A teoria da Psicologia positiva diz que temos forças, caráter inatos. E nessas forças, quando eu me engrandeço, engrandeço o outro.
Tiramos o foco do que faz mal. Eu não gosto do conceito de liderança ideal que começou na década de 50 como uma cartilha técnica funcional de como contratar e como demitir, por exemplo. Há 20 e 30 anos atrás, maravilhosamente, começa uma reflexão da liderança humanizada e transformacional. Afinal, liderança nada mais é do que a gestão de pessoas. Do ser humano enxergar o outro e fazer todos crescerem.
4. É possível ensinar as pessoas a ter resiliência e empatia da mesma forma que escovam os dentes, ou seja, virar um hábito?
Para aprender as competências cognitivas, temos de praticar todos os dias. Como é que aprendemos a escovar os dentes todos os dias? Quantos anos demoramos para fazer um laço? De 7 a 9 anos. Aprendemos tudo do ponto de vista funcional com muita repetição.
Na Learn to Fly, usamos a seguinte equação: 20% de conceito explicando, por exemplo, de maneira objetiva, o que é resiliência. Os outros 80% são na prática com propostas de exercícios e ações diárias. Na nossa infância, não ouvimos falar em sucesso como cidadão sucesso, nos relacionamentos. O sucesso sempre foi algo individual, de ter dinheiro, apartamento, casamento bem bonitinho, dois filhos, carro e cargo até os 35 anos. E vem a pergunta: e a felicidade? Se não estou feliz seguindo o script, alguma coisa deu errado, por isso tenho de aprender a lidar com minhas emoções e refazer a jornada.
5. Como você define um líder verdadeiro?
O líder incrível é aquele que dá espaço para crescer e errar. Tem uma brincadeira que faço quando estamos discutindo sobre liderança. O líder é aquele que te liga às 3 horas da manhã e pede para você ir no Campo de Marte (aeroporto na zona norte de São Paulo), de cueca branca de bolinhas vermelhas, com uma orelha de Mickey e você vai. Porque se ele te pede uma coisa destas é porque tem espaço para ambos mostrarem as suas vulnerabilidades, fraquezas e forças.
No sentido figurado, o líder ideal age como se fosse um fosso entre o castelo e o terreno. Pode se jogar que tem uma rede de segurança embaixo. Não é a segurança em si. É a rede. Voa que estou aqui! Nas pontas, você tem um líder que faz tudo, que não dá espaço ou aquele que está tão longe que não dá apoio nenhum.
O verdadeiro líder cria esse espaço para o outro errar, trazer uma solução, experimentar. E tem que ser com treino, atenção e consciência. Quando uma pessoa é mais júnior, tenho que fechar um pouco o espaço. Quando ela é sênior, abrir. Preciso olhar cada ser humano e entender qual é o espaço de desenvolvimento dele.
6. Como os líderes podem receber tantas demandas que tem, atualmente, preservando a sua saúde mental e da pessoa colaboradora?
O pulo do gato é usar o chamado eixo de amabilidade: mais acolhimento e empatia.
O acolhimento é a capacidade de receber as demandas emocionais das pessoas colaboradoras. A pergunta que faço é: você tem o mesmo acolhimento com todas as pessoas da sua família? Ou para alguns tem uma xícara de chá, outros, só o pires e aqueles que nem dá um copo d ‘água? Essa mesma fórmula, você passa para a empresa. Não estou falando de ter um acolhimento igual para todo mundo. Mas de ter algum para todos.
Já a empatia não é querer sentir o que o outro está sentindo. Se uma pessoa está se divorciando e eu estou bem casada, não consigo ser empático? Claro que sim. Pois todos nós passamos desde a infância com este sentimento de abandono, frustração e tristeza. O
autoconhecimento ajuda a regular a empatia. É mais fácil ser empático com os iguais. Só que tenho de desenvolver a habilidade de ser com todos. Por isso, a importância de ter consciência de como estou aberta para receber a demanda. Troca de dados, planilhas Excel e apresentações de Powerpoint o dia inteiro não são demandas. Estou falando de pensamentos e sentimentos e não de robô. Estando aberta, consigo achar meu ponto de afinidade com o outro.
7. E quais são os eixos para responder às demandas?
Como eu respondo a demanda, também são dois pilares: altruísmo e a complacência.
O altruísmo é dar uma resposta para a demanda do outro mesmo nem que seja para dizer. “não consigo te ajudar”. Um ponto de atenção é que as pessoas estão lotadas de demandas. Por isso é importante falar do conceito de continência emocional que é igual continência urinária. Você vai ter que ficar regulando quanto de demanda consegue receber e quanto consegue esvaziar. Isto é básico da liderança.
Muita gente acha que responder a demanda é ser complacente. Pegar no colo, colocar o outro em uma situação de conforto emocional e falar que está tudo bem. Não é isso. A complacência precisa ser no meio do caminho. Se você for muito complacente com alguém está criando uma relação abusiva. Veja as crianças: qual o caminho correto? Deixar na zona de desconforto e dar assistência para voar ou deixar no conforto total e vire-se quando apanhar? Vivo falando das pessoas que são promovidas com um “se vira aí” sem um suporte emocional e social. Por outro lado, existem alguns líderes ou chefes altamente paternalistas. Com mulheres, ainda é pior. Querem fazer tudo pois acha que tem menos potencial.
A amabilidade é a arte de construir relações e entender as dosagens.
8. Como a Learn to Fly tem contribuído para as empresas trabalharem diversidade e inclusão?
A diversidade e a inclusão são muito diferentes entre si. Se pode, facilmente, bater as metas de diversidade. Agora se o indivíduo que entrou ali e em dois anos não tiver uma rede de apoio, não se sentir amado, não ter com quem almoçar, conversar, ele vai embora. A inclusão não deixa isto acontecer. Oferece-se uma mentoria, uma rede de apoio para suportar estas etapas.
Nos programas da Learn to Fly, seja de mentoria ou na trilha do autoconhecimento, não estamos só falando de gênero ou raça e sim de personalidade. Cada um pode ser um nesse mundo e dar sua contribuição.
A partir do momento que vou entendendo que as pessoas têm estilo de comunicação diferentes, valores, formas de amabilidade, vou reconhecendo que sou uma pessoa, por exemplo, de comunicação, muito pragmática, que quer só resolver o problema, não posso
construir um time inteiro assim que vai virar um exército de tratores.
Normalmente, contratamos pessoas iguais a gente. Agora, quem no final das contas ajuda um pragmático é o mediador, um cuidador, um afetivo que está ligado na audiência porque complementa. Isso também é diversidade.
Estamos vivendo uma coisa visível de diversidade que é uma luta de gênero e de raça. Ao mesmo tempo, estamos vivendo uma outra luta de diversidade ideológica. Os opostos são necessários: eu aprendo com ele e não o extermino.
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Flávia Faugeres está atualmente cursando Advanced Leadership Initiative na Harvard University, um programa acadêmico focado no impacto social para líderes experientes. Flávia é uma das fundadoras da Learn to Fly. Antes foi CEO Brasil e VP da BRF Global. Atuou como CMO global da Burger King Corporation, sócia sênior da N-Ideias, uma consultoria de marketing, VP global de insights e pesquisas na AB-Inbev e em pesquisas de mercado na Unilever.