10 lições para atender refugiados

Até ao final de 2020, havia 57.099 pessoas refugiadas reconhecidas no Brasil. Os que chegaram no período da pandemia precisaram de ajuda. A líder do Comitê de Inserção de Refugiados do Grupo Mulheres do Brasil, Eliane Franco Figueiredo, listou 10 itens sobre como acolher esta população e dar trabalho a eles.

Números divulgados pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) na 6ª edição do relatório “Refúgio em Números”, ao final de 2020, havia 57.099 pessoas refugiadas reconhecidas aqui. Dentre os solicitantes da condição de refugiado, 60% deles são venezuelanos, 23% haitianos e 5% cubanos. 

Para início de uma nova vida, o acesso ao trabalho é peça fundamental sendo as empresas essenciais para este processo de inclusão.

Para dar suporte e garantir a sobrevivência e a saúde dos refugiados, um dos grupos civis mais ativos no combate dos efeitos da crise sanitária, o Grupo Mulheres do Brasil, mantém um Comitê de Inserção de Refugiados, que tem como objetivo fomentar a inserção destas pessoas com projetos de capacitação e empregabilidade. 

Eliane Franco Figueiredo é a líder deste comitê e conselheira de Líderes do Grupo Mulheres do Brasil que tem trabalhado em prol dos refugiados para que sejam garantidos os mesmos direitos dos brasileiros no acesso a serviços públicos e a proteção e garantia de seus direitos básicos.

Sócia e diretora da Projeto RH desde 1993, consultora de Gestão de Talentos e especialista em coaching pela American Society of Training Development, admite que se apaixonou pelo tema, pois pode ver na prática que pequenas ações podem transformar a vida das pessoas.

Aqui ela lista 10 motivos para acolher, apoiar, contratar e estender a mão aos refugiados que escolheram o Brasil para reiniciar suas vidas.

Ações na pandemia

No período da pandemia, os refugiados chegavam aqui só com uma mochila nas costas e isolados não tinham como construir laços. Aqueles laços de confiança que você pode se apoiar, contar, pedir uma ajuda, te aconselhar. Fora isso, não tem como morar, não tem como pagar aluguel, deixar os filhos em creches, com uma vizinha de confiança tudo isso dificulta muito o começo de uma nova vida ainda mais no meio de uma crise sanitária. O foco do Grupo Mulheres do Brasil sempre foi a capacitação e a empregabilidade. No começo ainda tinha a questão da saúde, mas o SUS funciona super bem para atender os refugiados. Com a crise sanitária e econômica, ficamos pensando no que poderíamos oferecer para estas pessoas, sendo que até os brasileiros estavam sendo despedidos. Mudamos o foco para ações assistencias. O comitê doou mais de 35 toneladas de alimentos, 20.000 itens de higiene,  2000 fraldas em parceria com empresas e com as voluntárias, assim garantimos o básico. Agora, aos poucos, as coisas estão melhorando. Isso leva um tempo  para as pessoas conseguirem pelo menos minimamente pagar o aluguel e comprar alimentos subiu demais.  Estamos também voltando ao nosso DNA com a capacitação e a empregabilidade.

Empreendedorismo

Há uma grande diversidade de pessoas mais velhas que migraram com a família toda e geralmente a idade acaba sendo um fator a mais de dificuldade. Não queremos ser assistencialistas e precisamos ter foco. Daí vem a questão da capacitação técnica. Adicionamos um pilar que foi muito bacana que uma das nossas líderes, Angélica Cintra, trouxe: uma metodologia que usa na consultoria dela. Lançamos um programa de mentoria de empreendedorismo para refugiados para abrir uma nova frente. Já fizemos dois ciclos de um programa muito rápido que trabalha com voluntários mentores para construir o que se chama da ideação ao negócio. Cada ciclo teve 5 módulos sobre precificação, gestão de redes sociais,  educação financeira e negociação, além de um webinar. No final com o Fundo Dona de Mim, ainda oferecemos um microcrédito de até 3 mil reais com juros básicos e uma carência de seis meses para impulsionar o negócio. Do limão fizemos uma limonada. Se não tinha emprego, criamos oportunidades. 

Networking

Uma outra coisa importante foi aumentar o networking destas pessoas pois ajuda a encurtar os caminhos. Estas pessoas geralmente só se relacionam com outros refugiados que têm as mesmas dificuldades, limitações, dores. Furar esse bloqueio com este programa de mentoria, além da capacitação técnica, foi ajudar a comercializar e divulgar os serviços e produtos na nossa própria rede de mulheres, na família, para os amigos. O nosso programa de empreendedorismo acabou virando nosso carro-chefe da nossa atuação durante a pandemia e virou benchmarking que será replicado em outros núcleos do nosso grupo. A maior parte das pessoas que empreenderam foi por necessidade e é um “dificultomêtro”. Foi um aprendizado dos dois lados e virou uma iniciativa de sucesso.

Início do comitê

Começou de um jeito bem à moda Luiza Helena Trajano, ou seja, fazendo. Ela havia participado de uma edição do Prêmio Claudia onde encontrou refugiados que precisam trabalhar e me ligou pedindo ajuda. Eu tenho uma consultoria de seleção de pessoas e há 5 anos atrás eu nunca tinha participado de um processo com um candidato refugiado. Se eu fosse ligar para os clientes e falar com eles, acabaria perdendo meu negócio. Então pensei, contratamos pelo mérito e achei que não seria sustentável. Assim nasceu o núcleo de inserção de refugiados com a frente de educação, emprego e saúde.

Validação do diploma

Um dos problemas que percebemos foi a validação do diploma. As pessoas saem de seus países como engenheiros, por exemplo. Chegam aqui eles não são nada profissionalmente. Em termos de título, a validação de diploma no Brasil é feita só por universidades públicas. O processo demora em torno de 3 anos. Quando se abandona um país, a última coisa que você se lembra é trazer seu diploma, ir a universidade pedir uma lista de créditos e já estando aqui fica ainda mais difícil comprovar a escolaridade e validar o diploma. Há créditos adicionais a fazer, exame de português e as limitações financeiras. Fomos atrás de atividades mais operacionais ou administrativas que não exigem nível universitário. É mais fácil colocar essas pessoas. Uma ONG conseguiu empregar uma pessoa que era contadora na Venezuela, mas que aqui não poderia assinar um balanço como uma assistente contábil, apesar de ter todo o conhecimento para isso.

Dentro de casa

A  necessidade de sobrevivência é tão grande que acho que às vezes a pessoa liga a primeira marcha do carro e vai.  Porque ele precisa primeiro se alimentar,  cuidar dos filhos, do seu dinheiro para não ser roubado, pois não pode nem abrir uma conta em banco. O papel da migração no Brasil é uma folha de sulfite e só.  Eu não teria força para começar de novo. Ainda mais começar com menos zero. Eles são gratos por tudo que recebem e o que fazemos. Resolvi contratar uma refugiada para a minha empresa. Recebi 5 candidatas. Encontrei uma que tinha faculdade de administração completa, havia trabalhado como assistente consular, falava inglês, francês, mas o poruguês era sofrível e eu precisava dela para se comunicar com os clientes, candidatos. Três dos outros candidatos falam bem português mas não tinha a formação dela. No final, ela evoluiu muito, trouxe resultados, todos gostavam dela. Ela dava pulos de alegria quando recebia um aumento de 100 reais, do plano de saúde, cartão alimentação. 

Falta de informação

A primeira questão é a falta de informação. Há 5 anos, o Brasil não estava na rota da migração. Aliás, hoje recebemos venezuelanos, mas não chega nem perto do Líbano. Paquistão e até a Europa. No RH, existe ainda uma fila quando se trata de diversidade. Quando chega um refugiado, ele acaba impactando não só os colaboradores, mas as famílias, os amigos. Por isso, no Grupo Mulheres do Brasil, fazemos muitos eventos de sensibilização para o CEO, pequeno empresário, gestores, para mostrar as vantagens de se ter um refugiado na equipe.

Legalidade

No Brasil, o refugiado  tem CPF,  permissão para trabalhar, não é ilegal. Porque existe um preconceito de que refugiado é sinônimo de ilegalidade, de uma pessoa fugitiva, como se tivesse feito alguma coisa errada. Esta é a primeira bandeira que a gente tem que levantar é a informação para as empresas e furar esta bolha. Hoje, tem recrutadores passando quatro, cinco meses procurando um profissional ainda mais na área de tecnologia. Entre os brasileiros, muitas vezes, tem que pagar caro por isso. E tem refugiados com esta qualificação ou se for treinado pode rapidamente suprir esta lacuna. E se contratar um refugiado, terá uma pessoa extremamente engajada e grata. Nosso contato é refugiados@gruposmulheresdobrasil.org.br  estamos abertos a ofertas de ONGs, empresas e de quem precisar.

Satisfação

Com este trabalho de voluntariado, me tornei uma pessoa melhor, mais humana, preocupada com a desigualdade. Mudou a minha vida e do meu entorno, dos meus amigos e dos meus familiares. A troca é um processo de aprendizagem. Hoje somos mais de 80 voluntários e  convido a todas as pessoas que queiram participar que nos procurem. Vou finalizar com uma frase do Mário Sérgio Cortella:  o  refugiado não é um encargo, é um patrimônio.

Saiba mais no episódio do podcasting “Somos Newa”.

Eliane Franco Figueiredo, sócia e diretora da Projeto RH desde 1993, consultora de Gestão de Talentos e especialista em coaching pela American Society of Training Development nos Estados Unidos. Líder do  comitê de refugiados e conselheira de Líderes do Grupo Mulheres do Brasil.