A psicanalista e educadora parental, Elisama Santos, nos ensina em 10 lições como podemos usar o diálogo como forma de nos conectar com o outro, assumir o nosso lado humano e a nossa vulnerabilidade. Ela nos convida para termos conversas corajosas. Quem encara este desafio?
Com mais de 250 mil seguidores no Instagram, a psicanalista Elisama Santos é taxativa: as redes sociais foram uma das piores coisas que aconteceram para nós, enquanto sociedade. Apesar de usar a ferramenta para divulgar seus aprendizados, seu cotidiano e falar dos relacionamentos em todas as escalas, sua aposta mesmo é na conversa.
E não é uma conversa qualquer. São conversas corajosas, título, inclusive, de seu último livro. E conversar quer dizer saber escutar, buscar o que há de mais honesto dentro de você e expor sem julgamentos. Apenas desta forma, é possível se despir dos papeis dados e desejados para buscar a verdadeira conexão com o outro.
No mundo virtual, o algoritmo reforça um verdadeiro complexo de Narciso, deixando cada um preso em seu próprio mundo, suas verdades e convicções não permitindo ampliar os horizontes.
Elisama Santos é educadora parental e consultora em comunicação consciente.É autora dos best-sellers “Educação Não Violenta” e “Por que gritamos”, onde compartilha com seus leitores e leitoras sua caminhada como mãe e educadora parental em busca de uma educação em que o diálogo entre mães, pais e crianças dá o tom.
Acredita na empatia e na compaixão como poderosa ferramenta de transformação social. Separamos aqui 10 lições que podemos aprender com esta especialista em comunicação não verbal que fala dos perigos da polarização das redes sociais, das constantes transformações que vivemos e como isso se choca com o nosso desejo de previsibilidade e segurança, da vulnerabilidade e da arte da boa conversa.
1. Conversas corajosas mostram que somos humanos
As conversas corajosas são aquelas das quais precisamos cuidar do que importa para nós e muitas vezes, adiamos com seu colaborador, o colega, os pais, o esposo para falar do que realmente está incomodando. Estas conversas pedem muita coragem pois temos medo da rejeição, da mudança, da dúvida. E coragem não é ausência de medo. Este tipo de conversa vai dar nó na garganta, não será gostosa, o coração vai acelerar. Os sintomas não mostram que sou incapaz, mas sim que sou humana. Agora é fundamental saber ouvir e isto implica perder o controle e não ter garantias do que vai acontecer no final. Isso me convida a vir com medo e não quer dizer que eu não tenha coragem.
2. Conversar tira uma pata de elefante do nosso peito
Ouvi, em um seriado, uma expressão que me chamou muito a atenção. Quando a personagem vai conversar com a outra sobre um problema emocional, traduz a sensação como se um elefante tivesse tirado a pata de cima do seu peito. Isto me marcou muito. Enquanto não demonstro limite, não digo o que está doendo este peso no meu peito, me sufoca, me faz parar de respirar. Quando falo, divido esse elefante, retiro essa pata do peito.
3. A aposta é maior ao falar com pessoas íntima
Falar com estranho é mais fácil pois o potencial de me magoar é menor. Se a pessoa é mais íntima é muito maior a minha expectativa, de me machucar, de conviver com isso.
Quando falo com estranho tem pouca coisa em jogo. Eu não tenho todas as minhas cartas na mesa. Quando falo com alguém mais íntimo, estou apostando mais e tenho mais a perder nessa conversa.
4. Refletir antes de uma conversa, ajuda a tornar a vida mais maravilhosa.
A Comunicação Não Violenta, na falta de uma explicação maior, falamos em método. Para mim, é uma visão de mundo que me ajuda a perceber melhor o que vive em mim para que possa ofertar o melhor de mim. E isso não quer dizer apenas meu lado bom, mas a honestidade de cavar o que realmente sou e o que estou sentindo.
Quando temos uma conversa padrão normal, da forma que estamos habituados, enquanto o outro fala, fico aqui bolando a minha resposta, falando comigo mesmo, buscando como contradizer o que o outro disse, procurando em minha mente provas dos meus próprios argumentos. Com isso, não me conecto com outro, no seu sentimento. Brinco que a gente tem pelo menos três camadas na conversa: o que a pessoa falou, o que eu acho que ela falou e o que ela realmente sente quando falou. Eu já inventei uma historinha na minha cabeça e sigo com ela. O ideal é parar e fazer uma reflexão. Na Comunicação Não Violenta, a base é antes de falar, eu devo pensar como esta conversa me ajuda a tornr a vida mais maravilhosa.
5. Separe o julgamento da realidade.
A gente precisa olhar para as situações da vida como a gente olha para um rosto de um recém nascido. Com curiosidade, sem ter nenhuma certeza do que acontecerá. Hoje, temos um olhar cansado. E o pior, confundimos a voz da nossa cabeça com a realidade. Elas não são a mesma coisa. Muitas vezes, enfeita, outras vezes, distorce, pinta de cores que nem sempre são as cores normais do que está acontecendo. Qual o maior desafio? Separar o julgamento da realidade. Geralmente, temos a tendência de achar que a pessoa está contra mim e não é isso. Nem sempre a pessoa está questionando seus valores. Nós aprendemos que somos valorosos, importantes, legais. E aí a gente nega todo o outro lado humano da nossa existência. O lado que é vingativo, rancoroso, invejoso.
6. Temos de parar de querer nos defender o tempo todo
A gente acaba não querendo conversar, mas simplesmente nos defender. Temos de partir de um lugar em que todos os seres humanos são falhos, que a gente erra, mas ao mesmo tempo ambos têm um enorme potencial enlouquecedor. Temos de deixar de lado as trincheiras e lembrar que estamos no mesmo lado da guerra.Vamos juntos olhar aquele problema e melhorar em alguns pontos. Não algo matemático e sim um caminho, quando percebo que estou me defendendo, deixo de lado e começo realmente a me conectar com você. É um tempero maravilhoso.
7. Não vou conseguir conversar com ninguém se estiver presa no meu ponto de vista como único possível.
Olha eu acho que uma das piores coisas que aconteceu para nós enquanto sociedade foram as redes sociais. O algoritmo não tem o interesse de fazer ampliar horizontes. A ideia da rede social é que fique mais tempo aqui e por isso só vai lhe mostrar os amigos que a gente gosta, as notícias que nos agrada, as opiniões que a gente concorda. E quando aparece algo diferente, começamos a falar em polarização. A gente precisa assumir que o ponto em que a gente tá vendo as coisas não é igual para todo mundo. O seu ponto de vista é a vista do ponto onde você está. Eu não vou conseguir conversar com ninguém se eu estiver presa no meu ponto de vista como único possível.
Então para que eu lide com esse momento super polarizado, preciso lembrar muito que o outro não enxerga exatamente o que eu estou enxergando. Tenho de estar disposto para conversar assumindo a parte que me cabe neste latifúndio dentro de um contexto e estrutura social muita mais ampla e enraizada. Nada é raso.
8. Estamos usando as redes sociais como entorpecentes
Acredito que estamos usando as redes sociais como entorpecimento. Fico ali e esqueço da vida, do tempo que aquilo suga. Vi, recentemente, uma pesquisa em que dizia que a gente passa o dedo no feed cerca de 8km por dia. O algoritmo foi criado para te manter neste movimento. É o “complexo de narciso” no mais alto grau. Uma relação com você mesmo, com seu mundo, seus interesses. Eu tenho essa pergunta quando eu me percebo só olhando o feed: o que estou procurando aqui? Não sei o que estou procurando, então a satisfação não chega. Estou sempre nessa ânsia de algo que não sei, que talvez apareça. Essa busca de algo que não tem nome, corpo, cheiro, gosto, que não sei o que é. Então nunca estarei satisfeito. Não dá para esperar chegar o momento que digo: era isso que queria da rede social, que delícia.
9. A vulnerabilidade nos assusta tanto porque mata essa ilusão de controle.
A vulnerabilidade está de mãos dadas com a ausência de qualquer garantia do que vai acontecer. Eu quero o cobertor grosso e quentinho da previsibilidade para me aquecer. Quero ter certeza e controle do que vai acontecer. Não quero tomar sustos. A vulnerabilidade nos assusta tanto porque mata essa ilusão de controle. A realidade controla a ilusão. Você pode fazer tudo certo, ter seus exames em dia e ainda assim pode descobrir um câncer. Amanhã, pode estar com 500 mil na conta, com a sua vida a mais organizada possível e ter algum imprevisto e usar todo o seu dinheiro de uma hora para outra. Não existe nada no mundo que vai nos defender da imprevisibilidade. A gente quer ficar se apegando, sentindo o controle e mesmo assim ele vai escorregar pelas mãos. Gastamos uma energia enorme nisso. A vida não tem garantias e em algum momento eu vou perder. Por isso, tenho de construir uma rede de suporte para nos amparar quando isto acontecer.
10. Fazer as pazes com a vulnerabilidade é fazer as pazes com a minha humanidade.
Eu consigo me abrir para a vida e lidar com toda a imprevisibilidade. A energia que gasto
querendo controlar o incontrolável me deixa exausta. Fazer as pazes com a vulnerabilidade é fazer as pazes com a minha humanidade. Eu brinco que a linha reta é a morte. A vida vai dançar, oscilar, subir, descer. Lógico que vou fazer planos. É gostoso planejar mas lembrando sempre que no campo do Plano A, a vida tem outros planos para mim que eu não conheço.
Saiba mais no episódio 34: “O diálogo como ferramenta de entendimento” do podcast Somos Newa.
Elisama Santos
Elisama Santos é educadora parental e consultora em comunicação consciente. Auxilia pais, professores e demais cuidadores na busca de um relacionamento de maior conexão e assertividade com crianças e adolescentes, por meio de palestras e workshops em todo o país, além de dividir seu aprendizado e cotidiano nas redes sociais. Depois do best-seller “Educação não violenta”, Elisama Santos, uma das maiores vozes quando o assunto é educar filhos, lançou “Por que gritamos’’ onde compartilha com seus leitores e leitoras sua caminhada como mãe e educadora parental em busca de uma educação em que o diálogo entre mães, pais e crianças dá o tom. Seu livro mais recente se chama “Conversas corajosas”.