Seis passos para uma inclusão de PcDs mais produtiva

Neste artigo conversamos  com Carolina Ignarra, CEO da Talento Incluir, sobre lei de cotas, liderança e inclusão produtiva.

No dia 24 de julho a lei que obriga empresas no Brasil com cem ou mais funcionários a destinarem postos de trabalho a pessoas com deficiência completou 30 anos. A chamada lei de cotas foi criada para assegurar a inclusão no mercado de trabalho e garante, hoje, o emprego de 500 mil pessoas com deficiência em todo o país.

Segundo a regra, empregadores com 100 a 200 funcionários devem reservar 2% das oportunidades para esse grupo; com 201 a 500, 3%; e com 501 a mil, 4%. Já aquelas com mais de 1.001 empregados devem ter 5% dos postos de trabalho para esses profissionais. 

O trabalho para uma pessoa com deficiência, vai além de uma vaga, mas passa principalmente pela inclusão. A nossa entrevistada de hoje já atendeu mais 300 empresas por meio de treinamentos personalizados e colocou mais de 7 mil pessoas com deficiência no mercado de trabalho e é uma expert no assunto.

Carolina Ignarra ficou paraplégica, aos 22 anos, devido a um acidente de moto. Em 2004, fundou com dois sócios a Talento Incluir, que aplica treinamentos de conscientização sobre inclusão socioeconômica das pessoas com deficiência e desenvolve programas de inclusão nas organizações.

Formada em Educação Física e pós-graduada em dinâmicas de grupos, é palestrante da ABTD (Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento) e da Gestão & RH, e autora dos livros “INCLUSÃO“ Conceitos, histórias e talentos das pessoas com deficiência” e “Maria de Rodas delícias e desafios na maternidade de mulheres cadeirantes”, com outras amigas cadeirantes.

Carolina Ignarra é uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil, de acordo com a lista publicada pela revista Forbes em março de 2020 e fala sobre a lei de cotas, inclusão produtiva e o papel da liderança no desenvolvimento das carreiras dos PcDs.

Avanços Lei de Cotas

“Quando se olha para os números, houve avanço. Da primeira vez que foi dito pessoas com deficiência nas organizações, eram estimadas que 800 pessoas se beneficiariam. Hoje, são mais de 500 mil pessoas com deficiência mapeadas nas empresas com mais de 100 colaboradores que são obrigadas a contratar pela Lei de Cotas. Além disso, tem pessoas trabalhando em empresas menores no seu próprio negócio. O fato de não conseguir medir não quer dizer que elas não trabalham. Fora a estatística, tem aumentado o impacto na sociedade que antes ignorava essa parcela da população e que hoje são vistas também como consumidoras. 

A pessoa deveria merecer o respeito como ser humano, mas num país com uma cultura capitalista, o poder do consumo também aumenta a possibilidade de ser mais bem-tratado socialmente. Isto é uma consequência da empregabilidade”, afirma Carolina Ignarra. 

Inclusão produtiva 

“Quando uma empresa abre uma vaga e contrata um colaborador, espera que essa pessoa traga de volta o investimento feito. Esta é a lógica do pensamento no país que tem o capitalismo como o seu processo econômico. Na inclusão produtiva, ao contratar um PcD, o empregador deve olhar como mais uma pessoa para agregar no seu negócio e não como mais uma lei para cumprir ou, tão pouco, mais uma caridade. O gestor deve entender a pessoa com deficiência como uma contratação com perfil adequado para a função adequada. Só que isso não quer dizer que a pessoa já esteja pronta. Eu não estava pronta quando eu sofri acidente. Trabalhava com ginástica laboral. E depois do acidente não voltei para a empresa no dia seguinte. Fiquei três anos trabalhando nos bastidores. E aí precisei aprender a ligar o computador, a mexer nos programas, a escrever relatórios, tudo para elaborar um planejamento de aulas para outros professores. Eu tinha potencial para

aquela função, mas eu não estava pronta. O que vale é que nem a empresa tem que contratar para cumprir lei e nem a pessoa tem que trabalhar porque existe lei, mas sim porque terão uma relação justa de trabalho”.

Pandemia x PcDs

“Tive uma sensação inicial na pandemia que todos eram iguais, no sentido de entrega. Sabíamos, porém, que estávamos em uma tempestade em barcos diferentes. Não dá para a gente comparar o home office para uma casa que tem 10 cômodos e uma casa que tem dois cômodos e 10 pessoas . Do ponto de vista de produtividade, a partir do momento que a medida da entrega é o que eu fiz no fim do dia, tenho mais chance de ser tratada com a igualdade, ou melhor dizendo, com equidade que a gente merece. A lei proibiu a demissão da pessoa com deficiência em maio do ano passado. Fiquei bem chateada com isso porque achei que era um retrocesso. A lei de cotas deve dar oportunidade, mas não garantir a oportunidade. Inacreditavelmente, empresas que não precisavam demitir porque estavam continuando os seus negócios, demitiram apenas os seus colaboradores com deficiência achando que por conta da pandemia, a fiscalização iria cessar. Quando chega esse processo de precisar congelar demissão, percebi um negócio muito interessante, que as empresas pararam de se preocupar em contratar e começaram a olhar para o desenvolvimento individual de quem está dentro. E isto sim foi um avanço”.

Diversidade por convicção

“As vantagens de times diversos estão escancaradas. Não é necessário chover no molhado e ficar toda hora lembrando disso para os executivos. O que temos de fazer agora, em um processo educativo, é mostrar que a inclusão não deve ser feita apenas por obrigação, mas por convicção. Desta forma, é legítima e real. Não apenas um plano escrito nas paredes. Vi muitas coisas acontecerem e se diluírem porque de fato não fazia sentido para as organizações. A gente não pode fazer ações contra as pessoas, mas com elas. Toda vez que se usa palavras como militância, ativismo, causas, lutas, se assume posturas mais combativas e agressivas. Não se consegue educar ninguém com convicção com pedras  na mão. A educação precisa muito desse estamos juntos, do reconhecimento de que todos estão no mesmo barco, de pegar na mão e ir juntos. Eu aprendi sobre diversidade experimentando muito mais que lendo.”

Força do grupo

“Uma percepção que tenho em relação à importância dos diferentes marcadores sociais da diversidade são as diferentes escalas de uma competição. Toda vez que um tema abre espaço, ele acaba ofuscando os demais. Mas também tem muito a ver com a força do coletivo. A pessoa com deficiência não se olha como grupo. Desde criança, é ensinada a esconder a sua deficiência. Ninguém tem orgulho de ser PcD como a comunidade LGBTQIAP+ tem, por exemplo. Devemos mudar isso. A deficiência existe, mas não pode definir o meu valor, quem eu sou. Temos de olhar para a deficiência de um jeito mais otimista e também se posicionar na sociedade. Então é um apelo que eu sempre faço: juntar a força da coletividade”.

Papel do Gestor

O gestor direto, aquele que vai trabalhar com o PcD no dia-a-dia, deve estar mais preparado pois é ele que vai fazer realmente a inclusão acontecer. Ele não pode contratar só porque é uma imposição da empresa, mas sim porque vai trazer valor. Ele tem que sentir que tem o poder de mudar a vida de uma pessoa de maneira muito positiva. É preciso olhar para o papel de liderança com muito mais responsabilidade. Ao mesmo tempo que é desafiador, é recompensador. Quando vê alguém que contratou crescendo na organização, sabe que tem alguma coisa a ver com isso e é muito legal poder fazer a diferença na vida de alguém, engajar as pessoas pela força da atuação delas. Entender que podem ter um papel transformador e podem ser lembrados pela sociedade por isso.

Quer saber mais? Ouça o episódio 20 do podcast “Somos Newa”.