Por que aprender Libras?

As empresas ainda estão percebendo como é fundamental a diversidade e como este processo é enriquecedor. Muitas já entenderam que ter profissionais surdos e aprender a Língua Brasileira de libras ajuda os funcionários, o atendimento ao cliente, além de gerar empatia e conexão.

Logo que começou a fazer sucesso nas décadas de 80 e 90, numa época em que pouco se falava de inclusão social, Xuxa chamou a atenção, ao cantar o “Abecedário da Xuxa” mostrando as letras com as mãos. Com isso, a apresentadora trouxe ao público um pouco sobre Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Foi desta forma que David Lima se interessou em aprender o alfabeto e alguns sinais. Sem ter ninguém na família surdo, começou a fazer amizades e ajudar as pessoas surdas a interpretar coisas simples como pedir um lanche ou comprar uma roupa. 

Despretensiosamente, o que era uma curiosidade virou uma profissão e há 12 anos se tornou intérprete de libras e fundou a empresa Leve libras. Graduado em letras, possui certificado de proficiência em libras e também é intérprete trilíngue espanhol libras.

O mercado que atende não é pequeno. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgados em 2020,mais de 10 milhões de pessoas têm algum problema relacionado à surdez, ou seja, 5% da população é surda. Entre essas pessoas, 2,7 milhões não ouvem nada. No mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a estimativa é de que 900 milhões de pessoas podem desenvolver surdez até 2050.

Na opinião de Lima, o primeiro passo em busca de uma inclusão definitiva é tirar o véu do preconceito que ainda existe na sociedade, nas empresas e nas escolas. “ Aprendi que ninguém nasce preconceituoso e ninguém nasce racista aprendi. Acho que ações como sensibilização se fazem extremamente importantes. A gente precisa incluí-los e não tê-los para incluir.” 

Vale lembrar que a língua de sinais não é universal assim como a língua portuguesa tem seus regionalismos. E que existe uma diferença entre ser tradutor que se refere mais a escrita. Já o intérprete passa a mensagem, inclusive reforçando os “tons de vozes” que transmitem sentimentos como se uma pessoa está mais irritada ou tímida, por exemplo.

História – A Língua Brasileira de Sinais surgiu a partir da Língua de Sinais Francesa. Quem está assistindo a novela “Nos tempos do Imperador”, mesmo tendo os toques de ficção pode perceber o interesse de Dom Pedro II e trazer as “novidades” européias para cá.

No Brasil, a primeira escola de surdos iniciou sua atividade em 1957, com a colaboração do professor de surdos francês Eduard Huet e com o apoio do imperador e hoje é conhecida como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).

Huet começou por ensinar os surdos no Brasil utilizando o que aprendera na França, mas já incorporando o que via por aqui. Desta mistura mas nasceu a versão brasileira

A luta pela oficialização da Libras como língua teve início na década de 80, com a criação de um movimento criado pela comunidade surda. Finalmente após tantos anos – o projeto de Lei para a legalização e regulamentação da LIBRAS data de 1993 – em 2002 a Língua Brasileira de Sinais é reconhecida como língua através da Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002.

Lima que atua na área da educação na inclusão das crianças com deficiência auditiva na escola vê que mesmo com tanta história, o aprendizado, principalmente nas escolas, ainda precisa ser aprimorado. Estudo feito pelo Instituto Locomotiva aponta que somente 7% das pessoas surdas têm ensino superior completo; 15% frequentaram até o ensino médio, 46% até o fundamental e 32% não possuem nenhum grau de instrução.

Não vejo como um obstáculo. Para mim é um processo de ganha- ganha. Quando nós temos alunos surdos ou com outros comprometimentos em sala de aula é bom tanto das crianças por terem contato entre si, aprendendo a respeitar o outro com para os professores que devem fazer adaptações muitas vezes, com apoio de materiais visuais que acabam ajudando a todos.”

O atual governo começou bastante promissor no dia da posse do presidente Jair Bolsonaro, a  primeira-dama, Michelle Bolsonaro, quebrou protocolo e fez discurso em Libras (Língua Brasileira de Sinais). Ao mesmo tempo, convive com retrocessos como a posição do ministro da Educação, Milton Ribeiro, que voltou a defender que algumas crianças com deficiência não estudem na mesma sala de outros alunos. Segundo ele, o governo não quer “inclusivismo” e argumentou que certos graus e tipos de deficiência necessitam de classes especiais.

“O discurso da primeira dama foi um passo importante para dar visibilidade, mas o apoio efetivo ainda não veio. Com minha experiência, acredito que o ministro nunca vivenciou com é rica uma sala de aula com diversidade onde todos aprendem mais a no sentido cultural e de respeito. Pelo menos, já se vê os intérpretes de línguas na TV. Novas frentes estão se abrindo e os surdos começam a aparecer”, comenta o profissional.

Empresas –  Estudos mostram que 43% das pessoas surdas, maiores de 18 anos, encontram ocupação no setor privado e 37% optam por serem autônomas. Dentro deste universo, muitos foram empreender por não encontrarem oportunidades no ambiente corporativo.

“As empresas ainda estão percebendo como é fundamental a diversidade e como este processo é enriquecedor”, ressalta o empresário. “No modelo ideal era não ter mais necessidades de Lei de Cotas e metas para as organizações cumprirem. Uma pessoa surda ou com qualquer outra deficiência deveria ser contratada pelo suas qualificações. Hoje, ainda vivemos com duas realidades: aquelas que só contratam por força da lei e outras que aceitam e incluem o profissional independente da deficiência. Aliás, essa palavra deficiência para mim é um pouco pesada. Se for falar de deficiência, por exemplo, é só olhar na minha cara. Uso óculos, então tenho uma deficiência. Falar em deficiência  é muito complicado e muitas vezes, até polêmico por causa de tantas nuanças.”

As companhias, além do uso dos intérpretes em eventos e convenções, muitas delas começam a oferecer cursos de Libras para sua equipe, que é uma das formas de promover a comunicação inclusiva em sua empresa, facilitando o contato com os funcionários e o público. As vantagens são

 

  1. é um diferencial profissional;
  2. possibilita a integração;
  3. facilita o processo de atendimento ao cliente;
  4. gera mais empatia e conexão.

 

Para Lima, a comunicação é fundamental inclusive em termos de segurança. Por exemplo, se acontece um problema de saúde em uma fábrica e a pessoa surda não consegue se expressar pode virar um problema gravíssimo. No princípio, o aprendizado é como em qualquer língua, fica no básico. A comparação que ele faz é com se pegar uma receita de bolo pela primeira vez e tentar fazer e não dar certo. É tudo uma questão de tempo, prática e de atualização constante já que como toda a língua é viva.

Na hora do aperto, há ainda aplicativos que ajudam com frases simples. Não servem para aprender definitivamente Libras, assim como o  Google Tradutor quebra um galho, mas não é um método de aprendizado. São um suporte para uma emergência. Para quem quer se aprofundar, várias universidades conceituadas e plataformas estão oferecendo cursos online de Libras, como é o caso da Universidade de São Paulo (USP) e do SESI, ambos de livre acesso e só que não fornecem certificados de conclusão.

“Atualmente, os surdos e outras pessoas com comprometimentos estão aparecendo. Eles passaram por momentos difíceis, sombrios onde eram tratados como pessoas a parte da sociedade. Agora estão aí com suas lutas, seus anseios,  aparecendo , se formando e qualificando, buscando o que é lhe de direito”, conclui Lima.

David Lima é intérprete de Libras há 12 anos e fundador da empresa Leve Libras. Graduado em Letras e possui certificado de proficiência em LIBRAS. É ainda Intérprete trilíngue Espanhol/LIBRAS. Na área da educação atua na inclusão das crianças com deficiência auditiva na escola.