Os avanços e desafios da Pessoa com Deficiência no mercado de trabalho

Marta Gil, uma das fundadoras e atual coordenadora executiva geral do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas sobre pessoas com deficiência, fala sobre a lei de cotas, plano de carreira e interseccionalidade.

O desemprego no Brasil atingiu a taxa recorde de 14,7% no 1º trimestre de 2021, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se temos este número em geral, para as pessoas com deficiência o acesso ao mercado de trabalho também tem diminuído. 

De acordo com o Censo de 2010, quase 24% da população brasileira possui alguma deficiência e, mesmo tendo uma lei de cotas, em 2018,  havia cerca de 486 mil pessoas com deficiência com empregos formais naquele ano, correspondendo a cerca de 1% do total conforme a Relação Anual de Informações Sociais. Até antes da pandemia, era um cenário pequeno, mas promissor.

Expert que atua desde 1990 nas áreas de comunicação e disseminação da informação com destaque para os temas trabalho e empregabilidade, educação e formação profissional da pessoa com deficiência, a socióloga Marta Gil é uma das fundadoras e atual coordenadora executiva geral do Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas sobre pessoas com deficiência.

“A lei de cotas trouxe um grande avanço. Foi um empurrão. Começou, como muitas, com ações afirmativas. Podemos exemplificar que é como um remédio amargo. Você tem uma lei para ser cumprida. Caso contrário, a empresa é multada. É  a chamada multa pedagógica. No início, o remédio vai pela goela abaixo e você engole. Não tem conversa, nem negociação. Isso mudou, pois as empresas começaram a perceber os benefícios. Assim como um xarope pode ser ruim, mas cura”, explica Marta. “A lei agrega muitos benefícios. Traz, por exemplo, sustentabilidade para o negócio, agora que está se discutindo muito o ESG (Environmental, Social and Corporate Governance). Injeta dinheiro na economia. Essas pessoas recebem um salário, consomem, pagam imposto. As suas necessidades específicas provocam a criação de produtos e profissões. A questão da acessibilidade acaba sendo boa para todos: pessoas maduras, mulheres grávidas, alguém que quebrou o pé. Enfim, a gente vai percebendo que a inclusão é boa para todo mundo. 

A Lei de Cotas foi criada pelo art. 93 da Lei nº 8.213/91 na qual toda empresa com 100 funcionários ou mais é obrigada a ter de 2% a 5 % dos cargos preenchidos por pessoas com deficiência, mesmo assim ainda há quase 400 mil vagas no país que deveriam estar ocupadas por essas pessoas, mas não estão, e o principal gargalo é a falta de fiscalização. 

Aliás, depois de 30 anos a lei passa por uma revisitação. Existe um projeto de Lei de número 6159 que foi submetido pelo Governo Federal ao Congresso Nacional em novembro de 2019 e que visa mudanças na Lei de Cotas e no Estatuto da Pessoa com Deficiência.

“Tivemos avanços significativos, não só pela quantidade, mas pela qualidade.  Aquela história do copo cheio e do copo meio vazio. Além disso, a gente vê outros sinais positivos: a crescente presença de pessoas com deficiência na escola desde o início da escolarização para chegar no mercado de trabalho  A lei de cotas deve mudar para se ajustar à economia 4.0. As mudanças deveriam ser feitas escutando também Pessoas com Deficiência,” afirma a autora dos livros: “As cores da inclusão” e “Incluir: o que é como e por que fazer”.

PcD e carreira – Dados da pesquisa “Pessoa com deficiência e emprego” promovida pela Secretaria de Estado dos direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo, em dezembro do ano passado, apontam que 15% das pessoas com deficiência de São Paulo nunca trabalharam com carteira assinada, destas 49,04% nunca tiveram oportunidade de ingressar no mercado de trabalho 

Na visão da responsável pela concepção do Discovery, primeiro jogo corporativo sobre inclusão e coordenadora do curso livre com 23 vídeos de inclusão com acessibilidade no trabalho, além da questão da empregabilidade, há um segundo passo: o plano de carreiras. 

Um outro dado do relatório: quase 20% do público sente que as empresas não as vêem como profissionais em potencial prestando atenção à sua deficiência e não à sua competência.

“Não adianta contratar um PcD e deixar ele encostado. Ele tem de ter oportunidade de ascender. É uma equação que envolve as duas pontas: tanto da pessoa com deficiência, quanto de quem a contrata. A pessoa com deficiência deve ter autoestima e saber o seu potencial e a empresa deve oferecer um plano de carreira. Tem empresas, por exemplo, que estabeleceram que não vão ficar na lei de cotas no 5%, que querem alcançar um patamar de 8%. Estão fazendo isso por si. Não está na lei, não fazem filantropia, percebem o potencial. Acho que estão aprendendo.“

Interseccionalidade – Sobre a questão da interseccionalidade, acredita que está muito inicial  e  acha que é compreensível que isso aconteça. “Quando um determinado grupo populacional começa a se estruturar, tem que trabalhar muito a sua identidade no sentido vertical. Agora estamos abrindo para as características que não cabem numa caixinha. Acho que é maravilhoso este movimento porque fortalece e trata a pessoa como um todo. Vejo com muita alegria! Ao mesmo tempo há demandas específicas que não podem ser pasteurizadas. Elas têm que ser contempladas.

O termo interseccionalidade é usado para fazer referência às formas como diferentes marcadores sociais – de gênero, raça, classe, orientação sexual, entre outros, interagem entre si, influenciando a forma como experimentamos a vida em sociedade. O conceito nasceu no final da década de 1980. A interseccionalidade é, portanto, esse lugar de identidade que está conectado por mais de um marcador social. 

A interseccionalidade é um conceito indispensável no campo das ciências sociais onde Marta iniciou sua carreira. Ela sempre conviveu com PcDs de forma muito natural, pois tem pai e irmã com deficiência física e uma tia com Síndrome de Down.

Quando jovem, deu aula de inglês para um senhor cego que a convenceu a fazer uma pesquisa na área. O primeiro estudo foi feito por meio do Projeto Rondon, criado em 1968 a fim de facilitar o acesso de universitários à realidade brasileira. O estudo foi feito com pessoas com deficiência visual em nove estados do Brasil. Na época, foi a maior pesquisa com mais de 6 mil questionários e não parou mais.

Em 1989, foi selecionada Empreendedora Social pela Ashoka Empreendedores Sociais, pela autoria do projeto REINTEGRA – Rede de Informações Integradas sobre Deficiência, que foi implantado na USP, em 1990, em parceria com o Amankay. A REINTEGRA inaugurou uma área temática – Informação e Comunicação sobre Deficiências – um campo de ação na USP e provavelmente no Brasil.

Quer saber mais sobre sobre inclusão de pessoas com deficiência na sociedade? Ouça o episódio do podcast do Somos Newa.