Lei e educação podem promover uma sociedade mais inclusiva 

No fim de junho, em virtude do mês do Orgulho LGBTQIAP+, um grupo de agências de publicidade se juntou para criar o Observatório da Diversidade na Propaganda e também um selo de “Empresa Aliada” a ser concedido a agências e empresas que promovam ações de inclusão da população LGBTQIAP+ dentro do seu ambiente de trabalho.

A iniciativa surgiu de uma reação ao texto original do Projeto de Lei 504, de autoria da deputada estadual paulista Marta Costa (PSD), que tentou proibir a presença de pessoas LGBTQIAP+ em comerciais.

Além de monitorar e zelar pela liberdade de expressão na propaganda, a iniciativa vai estabelecer metas e compromissos para acelerar a inclusão de profissionais diversos na criação de conteúdos e em cargos de decisão nas agências.

O Observatório também tem apoio institucional da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (ABAP), das consultorias Mais Diversidade e Indique uma Preta e apoio de mídia do Meio & Mensagem.

Fábio Mariano, doutor em ciência do consumo, um dos Top Voice LinkedIn de 2021, coordenador do Master em Tendências da Escola Superior de Propaganda e Marketing e ganhador, por 11 vezes, do prêmio Mídia Estadão, há mais de 25 anos investigando e estudando pessoas em áreas como Diversidade, Liderança Inclusiva, Tendências, Insights e Comportamento do Consumidor, é um dos nossos entrevistados neste blog.

Atualmente ele é executivo da Insearch, agência especializada em insights-tendências e projetos de cultura inclusiva. Professor e palestrante experiente vem formando, ensinando e inspirando executivos em cultura de transformação.

Nós levantamos algumas questões sobre o tema que ele tratou em mais um episódio do nosso podcast.

SOMOS NEWA: O que achou da questão do PL 504/20 e a forte reação da sociedade. Você acha que de alguma forma as pessoas e empresas acordaram para este possível retrocesso?

FÁBIO MARIANO: Os acordos, jogos e articulações políticas são muito mais complexos do que eles se apresentam para nós. E antes de sair celebrando, temos de tomar cuidado. Certamente, os proponentes já sabiam que poderia não vingar. É uma questão reacionária e eles têm todo o direito de propor desde que não ofendam e não agridam os Direitos Humanos.
Eu vejo mais como uma tática e em benefício de nome próprio, deste proponente, do que necessariamente um pedido sério de mudança. O PL 504 representaria um retrocesso, não só no caminho da diversidade e da comunicação. Acabou sendo bom para os dois lados: os políticos mostraram aos seus eleitores que estão trabalhando nestas pautas menos progressistas e a sociedade reagiu dentro de um jogo democrático legítimo. Pois se estamos falando aqui de aceitar o diferente, vale dizer que não é proibido ser conservador.

SOMOS NEWA: É uma obrigação das empresas apoiarem causas?

FÁBIO MARIANO: Ao abraçar uma causa, tem que se tomar muito cuidado. Aliás, empresas não abraçam causas, abraçam pessoas que têm causas. Uma empresa não pode fazer propaganda em homenagem ao Dia Internacional da Mulher e internamente ter casos de assédio onde as funcionárias enfrentam questões relativas ao gênero como ouvir em uma entrevista perguntas como: tem filhos? Qual sua idade? Pretende engravidar? Uso esse exemplo para mostrar a nossa cegueira. Cobramos posições para a comunidade LGBTQIAP+ mas temos outras questões. Eu estou fazendo esta provocação, mas de maneira acolhedora. Estamos em um processo em que não existe empresa íntegra, pois estas pautas estão chegando agora tanto no mundo corporativo como na sociedade. A gente tem que acolher as empresas que querem dar um primeiro passo. Muitas delas lançaram programas de recrutamento abertos à diversidade, mas ainda não conseguem garantir um ambiente totalmente inclusivo e de respeito. Ainda estamos todos aprendendo. A gente tem que entender que ativismo não é eliminar os não convertidos para causas, é converter os incrédulos para as causas.

SOMOS NEWA: Como gerenciar crises causadas por casos de preconceitos?

FÁBIO MARIANO: Temos o caso de uma rede de supermercado, onde no ano passado aconteceu o assassinato de uma pessoa preta. Imediatamente, o varejista se pronunciou da forma mais equivocada possível, o que comprovou estar muito distante dos preceitos dos Direitos Humanos, da Diversidade. Se em seguida a empresa fizesse algum tipo de campanha seria péssimo. A gente tem de aprender a separar gerenciamento de crise com passar o pano. Quando acontece uma crise, vejo os gestores dizendo que temos de sair desta com o menor ônus possível. Neste caso, cometeu-se um crime. E quem comete crime, precisa pagar por ele. Tem de assumir esta responsabilidade e aí sim, a marca pode avançar. Tanto ela como a sociedade.

SOMOS NEWA: Como analisa as cobranças para artistas e marcas se posicionarem ? Acredita que não posicionar já é um posicionamento?

FÁBIO MARIANO: O contexto desafiador para quem se posiciona ou não é saber o quanto aquela atitude tem de autêntica. Não existe uma forma, um selo para garantir isto. Apenas a própria trajetória das pessoas podem nos dar estas pistas. O público vai percebendo a diferença de quem apoia uma causa ou entrou no modismo para ter mais like e ganhar dinheiro. Por exemplo, coloca lá o arco-íris do orgulho e em outro momento, afirma que LGBTs não podem adotar filhos, então, quem é você nesse rolê? Temos de ser bem criteriosos e não sair por aí carimbando que isto não é autêntico. Eu acho que existe uma grande confusão contemporânea entre abordar uma pauta que todos estão falando e posicionamento. Um posicionamento é um comprometimento. Não se posicionar também é. Mas ao apontar o dedo para aquele que não se posiciona, vem junto uma vontade de apedrejar aqueles que não são a favor da causa.

SOMOS NEWA: Como professor, você acredita e aposta que a mudança vem por meio da educação?

FÁBIO MARIANO: Aposto que essa mudança vem por algumas variáveis, não só pela educação. Primeiro, temos de deixar claro que estamos falando em educação libertadora, aquela que emancipa o indivíduo para a sociedade. Devemos lembrar que os nazistas tinham educação fenomenal. Inclusive todo o processo de composição de uma nação nazista tem como base a educação. Então, além disso, tem que estar escrito na lei. No final, é a lei que faz a mudança de comportamento.

SOMOS NEWA: Como é a questão do preconceito dentro da academia?

FÁBIO MARIANO: Eu tenho 25 anos de experiência como professor. O que eu percebo hoje é que a liberdade que temos de expressar a nossa orientação sexual, na verdade, expressar o nosso afeto seja ele para quem é e de que forma for, o certo é parar com as rotulagens. Quando aparece um convite para uma comemoração na escola que diz traga os seus cônjuges, apareço com o meu marido e sou bem aceito. Isso é um avanço. Uma expressão da fé. Acredito no avanço, pois já existem estes espaços de acolhimento. Tem só um detalhe: eu me posiciono cada vez mais de forma incisiva para abrir e revisar estes espaços.

SOMOS NEWA: Como vê a evolução do tema Diversidade e Inclusão? Acredita que no futuro não será mais uma agenda?

FÁBIO MARIANO: Sou um defensor de que a inclusão da diversidade nas organizações deve ser feita não por motivos lucrativos, mas por motivos sociais e econômicos da sociedade, porque a empresa é um agente político, mas a questão do dinheiro também é forte. Se você é um capitalista, tem de ser a favor da equidade. Porque se tem inclusão, tem mais dinheiro circulando nas mãos das pessoas, mais gente comprando, mais empresas lucrando. Eu acredito que teremos um futuro mais diverso mas muito a longo prazo. Veja só as mulheres. São séculos desde que eram queimadas como bruxas até sentar em uma cadeira de um conselho. Para mim, este tema não vai se esgotar. Sempre teremos lacunas aqui ou ali para melhorar e aprender. E isto é maravilhoso.

Quer saber mais? Acesse nosso podcast: